Opinião
24 outubro 2022 às 13h36

Adriano Moreira: uma perspetiva crítica

Jorge Fonseca de Almeida

A personalidade, a obra e o legado de Adriano Moreira voltaram a ser amplamente discutidos por ocasião da sua morte.

Como nos ensina a Bíblia, em Eclesiastes 3, "Há um tempo para tudo, ... há um tempo de nascer, e um tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher, tempo matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de edificar".

O tempo de nascer em Adriano foi em setembro de 1922, há cem anos, ainda no tempo da velha República que, contudo, terminou antes que tenha saído da primeira infância. Foi moldado, pois, no tempo do Estado Novo, absorvendo as ideias e as práticas, e formou-se em direito.

O tempo de plantar passou pela sua carreira jurídica que foi impulsionada por José Bacelar Bebiano ministro das Colónias da ditadura e pela sua entrada para a Escola Superior Colonial onde, pelas suas ideias colonialistas, ascendeu à posição cimeira de diretor. Foi o grande introdutor e impulsionador das ideias luso-tropicalistas em Portugal, colocando os estudos de Gilberto Freyre ao serviço do sistema colonial português. Esta teoria, que continuou a difundir, no ISCSP, é responsável pelo negacionismo do racismo que ainda domina na sociedade portuguesa, impedindo a Justiça e a tomada de medidas, e tornando segundo múltiplos estudos europeus, Portugal o país com crenças racistas mais profundas da Europa.

O tempo de colher surge em 1959 quando é nomeado para o Governo fascista de Salazar primeiro como Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina e pouco depois, em 1961, como Ministro do Ultramar, cargo que ocupou até 1963.

O tempo de matar deu-se quando era ministro, quando teve poder para o fazer. E foi uma matança espalhada por vários continentes. Primeiro na Ásia quando se recusou a negociar o futuro de Goa, Damão e Diu e apoiou Salazar quando este ordenou às tropas portuguesas que disparassem "até ao último homem" contra o exército indiano. Morreram pessoas, correu sangue.

Mas também quando se recusou a negociar com os movimentos de libertação em África, e face ao levantamento angolano e entoando a canção "Angola é nossa" enviou tropas para este país para impedir a independência desta nação. Foi o primeiro passo sangrento da longa guerra colonial. Morreram muitas pessoas, correu muito sangue.

Prevendo uma guerra colonial prolongada tratou de criar um campo de concentração, reabrindo o campo do Tarrafal, para onde enviavam os presos políticos. Morreram pessoas, correu sangue.

São estes gestos que ensanguentam as mãos dos responsáveis políticos.

O tempo de matar estendeu-se também a Portugal com a repressão dos estudantes durante a crise académica de 1962, em que num só dia foram presos mais de 800 estudantes. Uma violenta ação de repressão em que o Presidente Jorge Sampaio, então jovem universitário, foi uma das vítimas, tendo sido um dos estudantes presos.

O tempo de derrubar aconteceu depois do 25 de Abril, em que logo que pôde se juntou ao CDS, um pequeno partido que se opôs às políticas saídas da revolução, criticou a descolonização, a democracia mas que acabou por a moldar à sua visão conservadora.

Durante muito tempo procurou curar a sua imagem e edificar um mito de sábio, de senador, de alguém que contribuiu imenso para o país. Um mito, obviamente, falso, mas que encontra eco em largas franjas da sociedade portuguesa.

Chegou há pouco o tempo de morrer. Teve uma vida longa, mas a sua obra foi, temos de ter a coragem de o dizer, negativa para o país. O seu legado, que deve ser recordado, passa, essencialmente, pelos anos em que deteve o poder sobre milhões de vidas. Objetivamente usou esse poder para, através da guerra colonial, matar.