Amigos como sempre!

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Há 150 anos, a 4 de Novembro de 1873, o Governador de Macau, visconde de S. Januário, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário de Sua Majestade Fidelíssima ao Japão, aportou a Nagasáqui quando se dirigia para Yedo. O visconde de S. Januário, Januário Correia de Almeida, era o terceiro enviado do rei de Portugal a Yedo depois do Governador Isidoro Guimarães ter negociado e assinado o Tratado de Paz, Amizade e Comércio com o Japão a 3 de Agosto de 1860. O Tratado foi estabelecido oito anos antes da revolução Meiji e 221 depois de o xogunato ter posto termo ao primeiro intercâmbio luso-nipónico (1543~1639), o chamado século namban.

O relacionamento luso-nipónico foi inaugurado a 23 de Setembro de 1543, quando três aventureiros a bordo de um junco chinês deram à costa de Tanegashima e introduziram o arcabuz, a primeira arma de fogo conhecida no Japão. Centro metalúrgico, Tanegashima depressa reproduziu a espingarda portuguesa que permitiu a Oda Nobunaga, senhor de Gifu, iniciar a reunificação do Japão, antes dilacerado por lutas de senhores feudais, os daimios.

Nobunaga sempre procurou nos portugueses os seus aliados e nos missionários jesuítas os protagonistas de um intenso intercâmbio cultural. Como o Japão estivesse ainda isolado do resto do mundo, foram os portugueses que accionaram um rendoso mercado no qual a procurada seda chinesa era trocada pela prata japonesa. Iniciada pouco antes, a extracção da prata, nas minas Iwami Ginzan, a que os portugueses chamavam a costa da prata, servia de mercadoria de troca à nau do trato. Os portugueses compravam a seda chinesa nos mercados de Cantão, em Dezembro e em Maio, e vinham ao Japão para a vender em Julho, depois de um mês de viagem. Quando o comércio tomou uma feição regular, os portugueses fundaram o porto de Macau, no sul da China. No Japão, para base do trato, aceitaram a oferta do daimio de Omura para construírem a cidade de Nagasáqui, que os jesuítas "arruaram" à feição maneirista (como Angra do Heroísmo), tornando-a uma cidade única no arquipélago.

Enquanto a nau do trato fazia a ligação entre costas, no Japão, os missionários jesuítas, depois de S. Francisco Xavier ter lançado as bases da missão em 1549, introduziram, cumulativamente à evangelização, o que de mais avançado a Europa podia oferecer na área da geografia, arquitectura, medicina, filologia, e costumes - gastronomia e moda. Ávidos de modernidade, assimilando novos saberes, os japoneses acolheram a publicação do primeiro dicionário de japonês e da primeira gramática de língua japonesa, a fundação do primeiro hospital de medicina ocidental, dum lactário, duma leprosaria, a criação de escolas de pintura, assim como tipologias de modernos castelos adaptados à artilharia, nova gastronomia e trajes ocidentais.

Com o intercâmbio cultural, enquanto os chefes militares Nobunaga (1534~1582), Hideyoshi (1536~1598) e Tokugawa (1536~1616) prosseguiram o seu esforço de reunificação, crescia uma nova classe de comerciantes que trilhavam o arquipélago, desenhando as modernas vias de comunicação.

Quando os portugueses foram expulsos e o Japão voltou a estar encerrado ao exterior, os japoneses desenvolveram os ensinamentos absorvidos, cultivando novas formas de criação - porcelana, haiku (poesia), kabuki (teatro musicado), ukiyo-é (gravura), ukiyo-zuchi (ficção) - e desenvolvendo outras, como ikebana (arranjo floral) e chanoyu (cerimónia do chá), num movimento que podemos apelidar de "renascença japonesa".

Neste novo mundo cimentado pelo comércio surgem os grupos Mitsui ou Sumitomo.

Duzentos anos depois, após a reabertura do Japão e a assinatura do tratado de 1860, os portugueses foram de novo chamados a participar na modernização do país. Muitos procuram no Japão novas potencialidades, na qualidade de quadros médios de bancos, seguradoras e empresas comerciais. Outros, como Vicente Emílio Braga, nascido em Macau em 1834, e um dos fundadores da Casa da Moeda do Japão que ainda hoje continua a laborar em Osaca, apoiaram a modernização do país. Foi o mesmo Braga que, como funcionário do Ministério da Finanças, introduziu e modernizou a contabilidade pública. Fixados sobretudo em Yokohama, Kobe e Nagasáqui, os portugueses depressa fundaram clubes e escolas de português, onde as comunidades se reviam. Sob a orientação de um corpo consular laborioso, como José da Silva Loureiro, Wenceslau de Moraes ou Batalha Freitas, promoveu-se o comércio onde desde sempre pontuaram mercadorias como a cortiça, o vinho e as conservas.

A língua portuguesa, amplamente divulgada no século namban, voltou a estar presente nos currículos das escolas, desde que o prof. João Abranches Pinto, em 1917, iniciou o ensino na actual Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio, criando um escol de lusófilos, que vêm a traduzir Moraes, Mendes Pinto, Camões, Pessoa ou Saramago, entre tantos outros.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, período em que Portugal, mantendo a sua neutralidade, nunca cortou relações com o Japão, abriu-se um novo período das relações. Portugal participou activamente nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964, na Exposição de Osaca, em 1970 e em importantes eventos culturais e desportivos. Cresceu o número de universidades com língua portuguesa e licenciaturas em português. Com os embaixadores Armando Martins (também ele um japonólogo) e Almeida Coutinho, as relações atingiram um novo patamar que se reflectiu na encomenda dos maiores petroleiros do mundo nos estaleiros da Kawasaki pela Soponta, e na fundação de companhias de capitais mistos, como a Fisipe ou a Toyota/Salvador Caetano.

No regime democrático, ultrapassado o período revolucionário e reconhecidos os novos Estados africanos de língua portuguesa, Portugal e Macau fazem um esforço para manter acesa a centelha que alimenta a amizade luso-nipónica. É o período em que a cultura portuguesa ganha a confiança do público japonês, multiplicando-se em exposições de arte, espectáculos e concertos de artistas, publicações de autores portugueses, exibições da cinematografia portuguesa e também a sempre querida presença de desportistas. Os japoneses interessam-se pelo país e o turismo ganha expressão. Os governantes trocam experiências em missões cada vez mais frequentes.

Volvidos 480 anos, a confiança é mútua e nunca esqueço a reacção de um jovem, depois amigo, no Japão. À conversa com ele, falando inglês, percebeu pelo meu sotaque que eu não era nem americano nem britânico. Europeu, terá acreditado. Quando disse que era português, os seus olhos negros ganharam outra expressão, outro brilho e disse animado: por certo os nossos antepassados conheceram-se. E assim será, estamos "condenados" a conviver e a partilhar um futuro que se deseja cada vez mais dinâmico e mais próximo.

Arquitecto

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