Amigos, amigos, gasodutos à parte…
Os projetos sino-russos de gasodutos remontam a 2006, ano em que um Protocolo inicial entre a Gazprom e a CNPC previa dois projetos (com um custo global de 400 mil milhões de dólares (mM$)) abastecendo a China - um a oeste, com início nos campos de gás de Yamal (no Nor-noroeste da Sibéria, de onde provém o gás natural para a Europa) e entrando na China pelo Altai (“gasoduto Altai”) e outro a leste, na Sibéria Oriental, fornecendo gás natural de Yakutia para Primorsky Krai e para a China. Este último, denominado Power of Siberia (PoS), com uma capacidade de abastecimento da China de até 38 biliões de m3 (bcm) anuais e um custo de 55 mM$, ficou operacional em 2019. O “gasoduto Altai”, entretanto crismado Power of Siberia 2 (PoS2), viu o seu trajeto alterado, passando a entrar na China via Mongólia.
O consórcio Gazprom-CNPC criado para efetuar a construção e exploração destes gasodutos, prevê uma repartição do capital social paritária a 50% (na Nord Stream AG, a empresa-consórcio russo-europeia criada para os gasodutos “Nord Stream”, a estatal russa Gazprom tem 51%), o mesmo sucedendo com o seu financiamento. Estes gasodutos sino-russos inserem-se numa estratégia [antiga] russa de diversificação da clientela e no propósito simétrico da China de diversificar as fontes de abastecimento de recursos energéticos. Não obstante, o projeto do PoS2 tem vindo a conhecer vários obstáculos. O PoS demorou uma década a negociar, em boa medida devido à questão do preço de fornecimento. Em setembro de 2023, a Bloomberg citava relatórios russos que estimavam que em 2024 o gás da Sibéria (PoS) custasse US$ 271,6 / mil m3, em comparação com US$ 481,7 para a Turquia e a Europa, sendo também mais barato que o gás proveniente da Ásia Central. Mas a China quer um desconto maior para o PoS2 (e possivelmente maior para o offtake mínimo a ser assegurado).
É improvável que a China precise de fornecimento adicional de gás antes de 2035. As projeções indicam que as importações de gás natural da China atingirão cerca de 250 bcm até 2030 (de <170 bcm em 2023), o que deverá ser coberto por fornecimentos já contratualizados. Em 2040, as importações chinesas de gás deverão aproximar-se (ou exceder) 300 bcm, com apenas 150 bcm cobertos pelos contratos existentes, havendo espaço para o fornecimento via PoS2.
Por outro lado, a forte diminuição das vendas de gás para a Europa - <25 bcm em 2023 (150 bcm em 2021) - deixam pouca margem de manobra negocial à Rússia, que tem 70% [da infraestrutura de exportação] dos seus gasodutos na direção do ocidente e pouca capacidade instalada de terminais de liquidificação de gás (o maior no Ártico, em Yamal, com limitações sazonais na sua utilização).
Além disso, a China continua a pressionar por mais concessões. Fontes russas dizem que, “em termos de construção, [Pequim] quer ter a certeza de que não tem riscos nem custos; a Rússia é o lado que paga toda a conta”. Esta postura chinesa, após o acordo inicial de financiamento paritário do PoS2, decorre provavelmente da relutância dos bancos estatais chineses financiadores da CNPC em financiar a infraestrutura na Rússia, por receio de serem sujeitos a sanções financeiras ocidentais, nomeadamente dos EUA.
A “parceria estratégica global” sino-russa pode ser “sem limites”, mas tem um custo… cada mês mais alto para a Rússia.
Consultor financeiro e business developer
www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira