Ameaça jihadista não desapareceu

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Nos últimos dias têm surgido várias notícias sobre o Estado Islâmico, a organização jihadista também muitas vezes referida como ISIS ou Daesh, o que deve servir como um alerta geral. Desde a provável ligação aos autores do atentado antissemita na Praia Bondi, em Sydney, até ao ataque que matou três americanos na Síria, a realidade mostra que o grupo não está derrotado, apesar da eliminação de sucessivos líderes, como em 2019 Abu Bakr al-Baghdadi, o iraquiano que chegou a proclamar-se califa, e da perda dos territórios que chegou a conquistar na Síria e no Iraque. Durante boa parte da década de 2010, é preciso não esquecer, o Estado Islâmico foi capaz de assumir-se como realidade territorial, aproveitando que o governo de Damasco enfrentava uma guerra civil e o de Bagdad estava dividido em lutas de fações e enfraquecido por anos de terrorismo.

A perda de Raqqa, na Síria, e sobretudo de Mossul, cidade com um milhão de habitantes e segunda maior do Iraque, que entre 2014 e 2017 foi controlada pelos jihadistas, mostrou a incapacidade do grupo de lutar contra uma vasta coligação internacional (incluindo os Estados Unidos), os governos do Médio Oriente (como o do Iraque a partir de certa altura)” e mesmo os peshmergas (combatentes dos movimentos separatistas curdos sírios, iraquianos e turcos). Milhares de jihadistas e as famílias renderam-se então, com destinos diversos, desde os executados aos que passaram longas temporadas em acampamentos-prisão, passando pelos repatriados, vários da Europa.

A declaração de um Estado Islâmico, a tentar fazer justiça ao nome do grupo, mostrou uma diferença essencial para a Al-Qaeda de Osama bin Laden, apesar das muitas coincidências ideológicas, nomeadamente uma visão obscurantista do islão, a fúria contra os xiitas e outras minorias islâmicas, a perseguição a cristãos e judeus, e o ódio à chamada Civilização Ocidental. Não esquecer que se a Al-Qaeda foi fundada para combater os soviéticos no Afeganistão, acabou por voltar-se contra os Estados Unidos e, sob a liderança do saudita Bin Laden, organizar os atentados de 11 de setembro de 2001 contra Nova Iorque. E o próprio Estado Islâmico surge da Al-Qaeda no Iraque, sublevação armada depois de os americanos terem invadido o país de Saddam Hussein, e derrubado o regime.

Em certa medida, a capacidade militar do Estado Islâmico resultou da aliança de conveniência entre antigos oficiais das Forças Armadas de Saddam, um líder laico, com os islamitas, em nome de uma solidariedade (e sobrevivência) sunita perante regimes pró-xiitas, como o novo em Bagdad, ou o da dinastia Assad, em Damasco.

Hoje, sem base territorial, embora aproveitando a fragilidade da nova Síria de Ahmed Al-Sharaa, ex-jihadista reconvertido em estadista, o Estado Islâmico tenta ressurgir através de grupos associados e células dispersas um pouco por todo o mundo. Ainda estão na memória atentados terríveis na Europa Ocidental, há uma década, como o do Bataclan em Paris, mas do Sri Lanka à Rússia, os jihadistas têm continuado a matar. Seja na Nigéria, onde inspira uma fação dissidente do Boko Haram, ou no Afeganistão, onde o Estado Islâmico - Província de Khorasan desafia o regime talibã, a ação é constante e mortífera, por vezes juntando a agenda jihadista global com questões internas.

Há quem diga que a ameaça jihadista foi muito inflacionada por causa da espetacularidade, e mortandade, do 11 de Setembro. Que com a Guerra ao Terror, e intervenções no Afeganistão e no Iraque, os Estados Unidos se distraíram da competição com as outras grandes potências, não dando a devida atenção ao ressurgimento geopolítico da Rússia e, sobretudo, à ascensão fulgurante da China. Mas tanto a capacidade destrutiva da Al-Qaeda, mesmo depois de mortos Bin Laden e o seu sucessor egípcio Ayman al-Zawahiri, como o historial assassino do Estado Islâmico, aconselham a que não se esqueça a ameaça jihadista, que mostra capacidade de recrutamento, capacidade para angariar aliados e capacidade para atuar em diferentes geografias. Ameaça o Ocidente, a Rússia, a China e o próprio mundo islâmico, pois as organizações jihadistas não se coíbem de atacar em países de maioria muçulmana. Veja-se a operação que a Turquia teve de lançar contra o Estado Islâmico para impedir atentados nesta época festiva, em especial em Istambul, já noutras ocasiões alvo de ataques terroristas.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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