Ambição nunca deve sobrepor-se à competência

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Quando falamos de forças de segurança, esta frase deixa de ser um slogan e passa a ser um teste simples à decência de quem governa.

Trabalhadores não são linhas de Excel.

Os homens e mulheres da PSP não são variáveis de uma folha de cálculo. São profissionais que acumulam noites, feriados, risco permanente, desgaste físico e emocional.

Defender o trabalho e os trabalhadores não é um luxo ideológico – é um dever mínimo de um Estado que se diz democrático.

Por isso, uma reunião sindical não é um ritual burocrático: é o momento em que o Governo mostra, sem disfarces, o respeito – ou a falta dele – por quem está na linha da frente.

Não pode existir farsa no “processo negocial”.

Na reunião de 28 de novembro, a que se espera como “negocial”, não houve verdadeira negociação. Houve um guião pré-escrito.

Em vez de uma ministra da Administração Interna a liderar e a assumir escolhas, vimos, uma vez mais, um membro do Governo da tutela transformado num bibelot institucional, enquanto a Secretária de Estado da Administração Pública assume o comando político da reunião, em nome do “equilíbrio de contas”.

É a hierarquia republicana de pernas para o ar: a segurança interna na sombra, as finanças no centro do palco. Os polícias deixam de ser pessoas com direitos e passam a ser rubricas orçamentais.

Propostas de cêntimos para problemas de décadas.

Se isto ainda fosse apenas um problema de formas, já seria grave. Mas o conteúdo da proposta torna tudo mesmo insultuoso.

O Governo apresenta como “primeira prioridade” a revisão dos serviços remunerados, aumentando em 15% e 10% esses valores – para cerca de 51,60 euros, por quatro horas de serviço fora do horário normal (mais nos fins de semana e noites). Como pode o governo vender o tempo de folga dos polícias aos privados a um custo menor do que aquele que paga no serviço normal?

Ao mesmo tempo, anuncia um aumento de 2,15% no suplemento especial de serviço, que segundo a própria ASPP/PSP abrange apenas 18% do efetivo e representa 3 a 7 euros mensais para quem o recebe. 

Ou seja:

• mexe-se sobretudo num instrumento pago, em grande parte, por privados;

• oferece-se a uma minoria uns poucos euros;

• 82% dos polícias ficam exatamente na mesma.

Isto depois de anos a exigir-se mais disponibilidade, mais flexibilidade, mais risco, e após um acordo assinado em 2024 que apontava para discutir a sério vencimentos, suplementos e portaria de avaliação.

Em vez de uma resposta global, o que aparece é uma operação de cosmética orçamental.

Não é sério. Não é negociação. É uma encenação.

Democracia de discurso, poder de bastidores.

Em público, multiplicam-se declarações de respeito pelas forças de segurança. À porta fechada, empurra-se para a frente uma proposta que vale cêntimos para alguns e nada para a maioria, conduzida politicamente por quem olha para a PSP apenas através das colunas do orçamento.

É o exercício do poder sem assumir o poder: esconde-se tudo atrás da técnica, da “sustentabilidade”, como se tratar com dignidade quem garante a ordem fosse um risco e não uma obrigação.

A polícia continua. A ASPP/PSP também.

A PSP continuará a cumprir. A ASPP/PSP continuará a denunciar, a exigir e a recusar pactuar com processos negociais que humilham quem representamos.

Ambição nunca deve sobrepor-se à competência. Muito menos quando está em causa a dignidade de quem garante, todos os dias, a segurança de um país inteiro.

Aos que negoceiam, deixo apenas isto: não humilhem.

Cada vez que o fazem, não atingem apenas um sindicato ou uma classe profissional – ferem a confiança na própria democracia que dizem defender.

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