Alterações às Leis do Trabalho: o pacote "Trabalho XXI"

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A reforma “Trabalho XXI”, proposta pelo XXV Governo Constitucional, representa mais do que uma simples revisão legislativa; configura uma reorientação ideológica profunda da política laboral em Portugal, para muitos empresários há muito necessária, com vista a conferir à economia portuguesa flexibilidade e competitividade. Sob a bandeira da flexibilização e da modernização, o anteprojeto de lei propõe um conjunto de alterações que visam reequilibrar a flexibilidade organizacional e a segurança e estabilidade no emprego. As medidas propostas, desde o alargamento dos contratos a termo para três anos, o regresso do banco de horas individual, o fim da proibição de recurso a outsourcing após despedimentos até às alterações à lei da greve e aos direitos de parentalidade, refletem uma visão que privilegia a competitividade empresarial como motor primário do crescimento e de mais emprego e melhores salários no futuro. A reação a esta proposta foi imediata e polarizada, revelando as profundas clivagens sociais e políticas na sociedade portuguesa sobre o modelo de desenvolvimento e o papel do Estado na regulação do trabalho. Enquanto as confederações patronais veem na reforma uma oportunidade para libertar a economia de “amarras” que as impedem de competir no mercado internacional; os sindicatos encaram-na como um retrocesso histórico e um “assalto” a direitos arduamente conquistados. O destino da “Trabalho XXI” é, no momento presente, incerto. A sua aprovação não será decidida na arena da concertação social, que se revelou demasiado fraturada para gerar consensos, mas com base em alianças políticas e na aritmética parlamentar na Assembleia da República. Em última análise, o desfecho do processo legislativo terá consequências que transcendem o Código do Trabalho. Irá testar a capacidade de diálogo e negociação política e social, redefinir os alinhamentos políticos e, fundamentalmente, moldar o contrato social que regulará as relações entre capital e trabalho em Portugal na próxima década. A batalha pela “Trabalho XXI” é, em essência, uma batalha pela visão do futuro do país. É uma batalha que revela uma tremenda coragem e uma ímpar ousadia política. Independentemente do seu desfecho, o processo de discussão e negociação da reforma “Trabalho XXI” deixará marcas no modelo de relações laborais em Portugal. Se a reforma for aprovada com o apoio parlamentar do Chega e contra a vontade expressa do Partido Socialista, dos restantes partidos à esquerda e das centrais sindicais, poderá assinalar o fim de um ciclo de relativo apaziguamento e o início de um modelo mais adversarial no diálogo e concertação social. A perceção de que os grandes acordos sociais já não são forjados na concertação social, mas sim através de alianças políticas no parlamento, pode deslegitimar o diálogo social tripartido e levar os sindicatos a concentrarem a sua ação na mobilização e no conflito direto. O resultado final desta negociação irá, portanto, não só definir as regras do trabalho, mas também o modo como essas regras serão negociadas no futuro, estabelecendo um precedente para a forma como são abordadas de agora em diante as grandes reformas sociais e económicas de que o País precisa. A apresentação do anteprojeto “Trabalho XXI” desencadeou, sem surpresas, um intenso debate público por parte dos parceiros sociais e dos partidos políticos. O futuro da reforma depende agora de um complexo jogo de forças, onde a concertação social perderá protagonismo para a negociação parlamentar. A implementação da reforma “Trabalho XXI”, caso venha a ser aprovada, terá repercussões profundas e duradouras no ordenamento jurídico português, no tecido socioeconómico e no modelo de relações laborais em Portugal.

Advogado e sócio fundador da ATMJ - Sociedade de Advogados

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