A tragédia do Elevador da Glória chocou o país e o mundo e terá implicações a vários níveis. A menos que se trate de sabotagem - hipótese que nenhuma investigação pode excluir à partida, ainda que remota -, o mais provável é que terá sido um acidente causado por problemas que deviam ter sido assinalados nos trabalhos de manutenção levados a cabo pela empresa que a Carris contratou em regime de outsourcing. A investigação dirá se tal se deveu a um erro de avaliação, ou se, pelo contrário, era humanamente impossível prever uma situação destas. A confirmar-se que se tratou de um acidente que poderia ser evitado, alguém terá de assumir a responsabilidade política ou moral, seja a nível da Carris, seja da sua acionista, a Câmara Municipal de Lisboa. Isso tem de suceder, para que os futuros decisores não tenham dúvidas sobre o que deve acontecer se estas situações ocorrerem. A responsabilidade não pode morrer solteira, por respeito às vítimas e para prevenir tragédias futuras. Foi o que fez Jorge Coelho quando a ponte de Entre-Os-Rios caiu e tirou a vida a 59 pessoas. Na altura, todos compreenderam que o ministro não tinha culpa pelo sucedido, mas ainda assim Jorge Coelho assumiu a responsabilidade no plano político.No caso do Elevador da Glória, a situação é mais complexa, porque se trata de uma infraestrutura pertencente à Carris, que é uma empresa de direito privado e tem um conselho de administração que a gere com autonomia, apesar de ter como acionista a Câmara de Lisboa. A tragédia do Elevador da Glória não deve servir para aproveitamento político, para mais a cerca de um mês das eleições autárquicas, mas não podemos ignorar que a segurança dos transportes públicos é um tema político por excelência. O assunto deve ser debatido com serenidade, mas sem fazer de conta que não existe. Sobretudo, se ficar demonstrado que a tragédia foi provocada ou agravada por decisões da Carris ou da Câmara Municipal de Lisboa, no mandato do atual presidente ou dos seus antecessores. A tragédia deve servir, além disso, para refletirmos sobre uma tendência que se verifica em Portugal e um pouco por todo o mundo ocidental e que se explica pela predominância de um modelo de gestão demasiado focado na eficiência e com uma visão de curto prazo. Esta mentalidade explica o estado degradado em que se encontram as infraestruturas e as redes de transportes em países como o Reino Unido ou os Estados Unidos. No caso da Carris, que há 14 anos decidiu externalizar a área de manutenção, pode ter contribuído para a tragédia que aconteceu esta semana, juntamente com outros fatores. As métricas que um gestor privado tem de atingir não devem ser as mesmas que um gestor do sector público deve cumprir, sobretudo se estivermos a falar de áreas onde é necessária uma visão de longo prazo, que crie valor para a sociedade no espaço de gerações e não de dois ou três anos. No setor privado, esta visão de curto prazo tem causado estragos em empresas cujos gestores procuram sobretudo fazer um brilharete, para depois receber o seu bónus e alegremente partir para um novo “desafio” (deixando atrás de si equipas destruídas). No setor público, um foco no curto prazo pode ser ainda mais destrutivo, porque um país não é uma empresa e precisa de uma visão e uma estratégia para décadas e não anos. A qual, para ser implementada, precisa de técnicos competentes e bem pagos, que conheçam os problemas e tenham experiência no terreno. Diretor do Diário de Notícias