Muitos dos que demandam o Algarve desconhecem a grande riqueza desta parte do Mediterrâneo no Atlântico. O novo espaço museológico dos Banhos Islâmicos de Loulé, na zona ocupada pela Casa Senhorial dos Barretos, constitui um motivo de atenção sobre as potencialidades culturais do Algarve, enquanto exemplo de turismo cultural moderno adequado aos novos tempos, em contraponto a uma lógica puramente consumista e desatenta relativamente ao desenvolvimento humano sustentável..Num mundo que tem de mobilizar a cidadania ativa para a salvaguarda do meio ambiente, da equidade entre gerações e da defesa do património cultural como fator de memória e de respeito pela dignidade humana, o tema ganha importância acrescida. No caso de Loulé, o novo espaço não significa apenas a valorização do passado, mas a consideração de que a lembrança histórica constitui o reconhecimento da importância da compreensão da memória como valor prospetivo. Um museu é um lugar de encontro e de compreensão, onde as raízes são valorizadas pela educação, pela investigação, pela criação de roteiros culturais que permitam um melhor conhecimento da complexidade e riqueza do desenvolvimento humano. "O céu aproxima-se de mim, da soteia chego às estrelas com a mão" - disse Raul Brandão. A casa senhorial dos Barretos escondia, até há pouco, dois segredos nas suas paredes. O primeiro referia-se às estruturas de uma casa do século XV, cujo estudo revelou ter pertencido à família dos Morgados de Quarteira e alcaides de Loulé. O segundo mistério, oculto sob os pavimentos e alicerces da velha casa, e soterrado por várias centenas de metros cúbicos de terra, era um bem preservado complexo de banhos públicos da época islâmica (hammam)..Construído no século XII, junto à entrada da cidade medieval islâmica al-"Ulyà, onde está hoje a Ermida de Nossa Senhora da Conceição, o edifício encontra-se dividido em cinco espaços distintos: sala fria, sala tépida, sala quente, compartimento da fornalha e vestíbulo, não estando estes dois últimos na área visível. Os Banhos Islâmicos de Loulé foram descobertos em 2006, tendo beneficiado de um protocolo com o Campo Arqueológico de Mértola para apoio técnico no processo das escavações. Presentemente, o Município de Loulé tem 153 registos no Portal Endovélico do Ministério da Cultura, envolvendo os sítios com interesse arqueológico, integrados nas três áreas desse território: a serra de ásperos xistosos cortados por profundos barrancos, o barrocal de formação calcária e a plataforma litoral. Foi em Loulé que decorreu o trabalho arqueológico pioneiro de Estácio da Veiga (1828-1891), cuja coleção viria a ser integrada no Museu Etnográfico Português de Leite de Vasconcelos em 1894..Os Banhos Islâmicos constituirão um dos núcleos do Quarteirão Cultural de Loulé, projeto que será uma das bases do plano intermunicipal de candidatura a Geoparque Mundial da UNESCO, integrando o Geoparque Algarvensis Loulé-Silves-Albufeira, devendo o Museu Municipal de Loulé ser dotado de um laboratório de paleontologia, e de uma área expositiva sobre a relação entre a Terra e o Homem. Outros exemplos podemos encontrar no Algarve, e o certo é que o promontório sacro corresponde ao limite onde se juntam os cenários da Odisseia com as referências das rotas fenícias, gregas, romanas e até árabes, com a lembrança da presença dos navegadores vindos do Mar do Norte, sem esquecer os povos do Sudoeste, com uma escrita ainda por decifrar, significativa da relevância indiscutível dessas gentes. Foi desse encontro que resultou o domínio do mar graças à vela latina e ao astrolábio..Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian