Esta semana acordámos com duas notícias reveladoras das opções do Governo: a venda de 16 imóveis – dez em Lisboa e seis no Porto – e a desistência de 311 milhões de euros do PRR – Programa de Recuperação e Resiliência. Este recuo é um péssimo sinal e importa ver o que está por trás. Mau planeamento? Falta de gestão? Carência de mão de obra? Insuficiências da cadeia produtiva? O Governo opta por canalizar recursos para a inovação e modernização do tecido empresarial, mas deixa para trás com estes cortes áreas essenciais ao bem-estar da população – saúde, educação, transportes, apoios sociais e, sobretudo, habitação.Temos assistido a uma tendência preocupante: a alienação de património público – edifícios e terrenos – que poderiam servir para garantir o direito à habitação. O Estado, em vez de guardião do interesse coletivo, comporta-se como promotor imobiliário do país, vendendo o que é de todos ao maior licitante. São propriedades localizadas em zonas centrais, antes ao serviço da República e que passam agora para a lógica do mercado.Particularmente grave é o caso do terreno das Conchinhas, em Lisboa – infraestruturado, com projeto aprovado e pago pelo IHRU, destinado a habitação de renda acessível. O Governo veio depois dizer que são “só” 15 imóveis, alegando “um lapso” na inclusão do terreno. Conveniente. Mas ainda mais preocupante é a ausência de qualquer restrição de uso futuro desses imóveis. O resultado previsível? Menos habitação, mais hotéis, mais especulação, mais exclusão social.E não sejamos ingénuos. Não existe consignação de receita na administração pública, pelo que prometer que o produto da alienação será aplicado em habitação pública é, no mínimo, ilusório. Em nome da “eficiência” e da “rentabilização de ativos”, o Estado vende património central, infraestruturado e com potencial habitacional, apenas para obter liquidez rápida. O objetivo é um encaixe de 1,2 mil milhões de euros – mas a que custo? O Governo abdica de verba do PRR, argumenta que há outras formas de empréstimo em iguais ou melhores condições no mercado financeiro e depois corre a alienar património. Não se percebe. Quando o Estado aliena imóveis que poderiam ser convertidos em habitação pública abdica da sua responsabilidade social e dá um passo atrás no combate à crise da habitação Não é só estratégia, é uma escolha política. Escolhe um lado – o dos interesses financeiros, e não o das famílias que vivem com medo do aumento da renda ou da carta de despejo. O Estado não pode ser cúmplice do mercado; tem de ser o seu contrapeso. Quando abdica da função reguladora e age como facilitador da especulação o resultado é desigualdade, exclusão e precariedade. O que hoje se chama “valorização imobiliária” é, na verdade, exclusão social. É a cartilha neoliberal a ser aplicada.Precisamos de políticas firmes: limitar a compra de imóveis por fundos especulativos, mobilizar fogos devolutos – públicos e privados –, reforçar o parque habitacional e garantir que a reabilitação urbana sirva quem vive e trabalha nas cidades, não quem lucra com elas.Lutar pelo direito à habitação é defender o direito à cidade. É afirmar que o espaço urbano não é uma mercadoria. E o Estado – esse que somos todos nós – deve estar do lado das pessoas, não da especulação. Vereadora independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML