O Afeganistão foi grande notícia há quatro anos, quando a retirada das tropas americanas foi seguida da derrocada-relâmpago do governo pró-Ocidente e o regresso dos talibãs ao poder. Volta agora a ser notícia por um sismo no leste do país, com epicentro perto da cidade de Jalalabad, ter causado pelo menos 800 mortos, número que muito provavelmente vai aumentar, pois há milhares de feridos e algumas das regiões atingidas são de difícil acesso. E não esquecer que o emirado islâmico reinstaurado pelos talibãs em 2021 governa um país que não só é pobre, destruído por sucessivas guerras, como está isolado. Uma das incógnitas é se o apelo dos talibãs à ajuda internacional, que teve uma primeira resposta da Índia e da China, terá efeito também nos países vizinhos. Com o Paquistão, que entretanto já ofereceu ajuda, e o Irão as relações recentes não têm sido as melhores, pois tanto Teerão como Islamabad estão a forçar o regresso de refugiados afegãos.A queda do primeiro emirado talibã aconteceu em dezembro de 2001, na sequência do bombardeamento dos Estados Unidos, retaliação por os governantes do Afeganistão recusarem entregar o saudita Ossama bin Laden, chefe da Al-Qaeda e responsável pelos ataques terroristas contra Nova Iorque e Washington, o célebre 11 de Setembro, com quase três mil mortos. Depois de duas décadas de envolvimento Ocidental, com vários países a contribuirem para uma força militar internacional de pacificação e a doarem milhões e milhões de dólares para a reconstrução, a democracia que era suposto estar a ser construída no Afeganistão caiu estrondosamente em agosto de 2021. E o país voltou a ser um emirado islâmico, sendo que pouco mudou em duas décadas na forma como os talibãs (palavra que quer dizer “estudantes de religião”) encaram o mundo, pois fiéis à sua mistura de Islão e tradições tribais pastunes voltaram a restringir a escola para as meninas com mais de 12 anos e a afastar as mulheres de uma série de profissões.O mundo voltou então costas aos afegãos, com as ONG a saírem, por falta de condições, e muitos países a ignorarem o novo regime. Só recentemente houve um primeiro reconhecimento do Estado liderado pelos talibãs, feito pela Rússia. Que Moscovo que, no tempo da URSS, invadiu o Afeganistão para apoiar os comunistas locais contra os islamitas, se aproxime agora de Cabul tem muito que ver com a necessidade russa de manter influência nessa zona de transição entre a Ásia Central e a Ásia do Sul. Também Pequim, embora não reconhecendo o regime, mantém relações com Cabul, procurando acautelar os seus interesses num Afeganistão que é vizinho da China, uma fronteira mínima, mas estratégica por ser com o Xinjiang, província chinesa com maioria de população muçulmana.Os afegãos têm fama de invencíveis, pois derrotaram os britânicos no século XIX, os russos no século XX (o mullah Omar, fundador dos talibãs, combateu nos grupos mujaedines, antes de se virar contra eles) e os americanos no século XXI. Mas se sempre preservaram a independência, o resultado é dramático em termos de desenvolvimento. Os mujaedines que derrotaram os russos nos tempos soviéticos revelaram-se senhores da guerra incompentes e abusadores, e os talibãs, que surgiram para travar os mujaedines, revelaram-se (antes e agora) igualmente incompetentes para governar, mesmo que contem com apoio de setores conservadores da população. O seu regresso deveu-se também à incompetência crónica dos governos em Cabul apoiados pelo Ocidente. Em nome de um futuro para os afegãos, morreram 3500 soldados da ISAF. A tragédia causada por este terremoto é a das populações atingidas (e espera-se que a ajuda externa chegue rápido), mas existe igualmente a tragédia de um país quase esquecido pelo resto do mundo. Há muitas responsabilidades da liderança talibã, sem dúvida, mas seria simplista dizer que todas as culpas dos males do Afeganistão são dos “estudantes de religião”. Diretor adjunto do Diário de Notícias