Aeroportos. E, mais uma vez, se culpa a Polícia

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Esta semana foi, mais uma vez, rica em comentários relacionadas com o problema dos aeroportos que o Governo, através do Secretário de Estado das Infraestruturas, veio agora classificar, numa visita a Macau, como um enorme “embaraço” , lamentando o sucedido, amplamente noticiado pelos órgãos de comunicação. Para resolver o problema o Governo veio não só anunciar que tinha mobilizado uma task force composta por 5 ministros para monitorizar a evolução [e resolução] deste enorme embaraço, emitindo, outrossim, um despacho que obriga a PSP a ter que baixar substancialmente os tempos médios e máximos de espera nas chegadas, para 20 e 55 minutos respetivamente , e nomeando o Sr. Diretor Nacional da PSP como coordenador da “equipa especial” criada para gerir os fluxos de passageiros nos aeroportos internacionais .

Hugo Espírito Santo anunciava ainda, note-se, uma reformulação do espaço de controlo de passageiros, um aumento de e-gates, e um aumento de boxes de controlo policial, para além da sempre fácil crítica à necessidade de aumentar o número de polícias, isto num momento em que nunca houve tantos polícias na fronteira aeroportuária. No fundo, o Sr. Secretário de Estado, acabou por reconhecer que o problema é muito mais estrutural que de pessoal, mas infelizmente não se coibiu de criticar a PSP.

O Presidente da ANA, José Luis Arnaut, aproveitou esta prenda do responsável da tutela e colou-se ao diagnóstico, atribuindo, grosso modo, a total responsabilidade dos atrasos à PSP, sendo até muito pouco rigoroso, para não dizer inverosímil, quanto ao número de boxes de controlo que têm estado em funcionamento nas horas de pico nas saídas, mas sobretudo nas entradas, com mais de 12.000 passageiros, provenientes de voos internacionais, a entrarem em Portugal numa janela concentrada de 5 horas.

Seria preciso lembrar o presidente da Ana que no âmbito do contrato de concessão cabe à ANA garantir as condições infraestruturais de safety e security, não sendo honesto colocar o ónus do que corre mal no aeroporto na mera carência de polícias. Como exemplo, note-se que o espaço comercial mais nobre fica antes da fronteira, o que leva os passageiros a atrasarem o seu movimento para as boxes uma vez que depois desta, ao contrário do que acontece em muitos outros aeroportos, nada existe de atrativo. Chama-se a isto debilidades infraestuturais que no caso do aeroporto de Lisboa coloca os interesses comerciais antes do fluxo harmonioso de passageiros.

É curioso que se continue a atribuir responsabilidades à PSP, exigindo-se mais alocação de recursos e, sobretudo, mais sacrifício dos Polícias que trabalham na fronteira, sem que estes sejam, de longe, remunerados como os Inspetores do SEF eram – responsabilidade do Governo -, e sem que se façam obras de alargamento nas zonas de controlo e que são exigidas há mais de 2 décadas por forma a permitir uma controlo mais ágil [e não menos rigoroso] dos passageiros – responsabilidade da ANA. É [ainda] mais curioso que seja a ANA, que tem implementado medidas sucessivas que visam apenas aumentar o lucro, conseguindo ganhos atrás de ganhos, com lucros recordes de mais de 500 milhões de euros , sem que parte desse aumento, fruto do crescimento tremendo do fluxo de passageiros, para o qual a PSP contribui determinantemente, tenha sido investido na melhoria das condições de trabalho das muitas centenas de Polícias que asseguraram não só o controlo de fronteiras, como também a segurança aeroportuária de todos os aeroportos internacionais. É ainda mais injusta esta crítica, quando até o próprio estacionamento que era cedido pela ANA aos Polícias lhes foi retirado há uns anos, tudo com o fito económico e a obtenção de mais lucros. É essa, portanto, a dignidade com que a ANA observa o trabalho dos Polícias e que está ao mesmo nível da preocupação que dedica às questões de segurança nacional na fronteira e nestas infraestruturas críticas.

E não tenhamos dúvidas, a adoção do regime de controlo simplificado, que nos termos das convenções e diplomas europeus sobre esta matéria, devia ser casuístico e muito excecional, passando a ser utilizado de forma ordinária, colocará em sérios riscos a segurança nacional de Portugal, escancarando a porta a todas as redes criminosas do mundo que vejam, como irão ver, esta janela de oportunidade para entrar no espaço europeu. Situações como a desta semana, em que a PSP conseguiu detetar e deter dois suspeitos indiciados no tráfico de seres humanos de menores e no auxílio à imigração ilegal, irão ficar seriamente comprometidas por este aligeirar questionável no controlo da fronteira, abrindo a porta, reforçamos, a que muitos outros traficantes aproveitem esta via verde para promover a sua atividade criminosa. O 11 de Setembro surgiu num momento em que a lógica comercial suplantou as exigências de segurança, esperemos que não venhamos a ter uma réplica de um acontecimento semelhante.

A responsabilidade e a promoção de medidas deve, por isso, ser compartilhada com o Governo e com a ANA de forma a assegurar a criação de condições mínimas de trabalho mas também do justo pagamento das milhares de horas que os Polícias têm que realizar suplementarmente- É-lhes devida a justa retribuição, seja em horas extraordinárias (preferencial), seja em regime remunerado, para permitir uma mais equilibrada gestão dos poucos recursos policiais que têm sido alocados, em avalanche, à fronteira, comprometendo o policiamento preventivo e a resposta policial no território. Não estranhemos se a Polícia passar a demorar mais tempo a responder às solicitações da nossa população.

Sendo a atividade aeroportuária tão rentável para o concessionado e para a indústria turística do país, não se compreende o engulho de providenciar parte dos tremendos lucros (e que este ano irão, certamente, ser ultrapassados) para o investimento urgente que se impõe na PSP e, em particular, nos Polícias que trabalham nos aeroportos. É não só justo, como é necessário.

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