'Adolescência', RASI e os desafios de ser pai

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O último Relatório Anual de Segurança Interna, referente a 2024, dá conta de um novo aumento na delinquência juvenil, praticada por jovens dos 12 aos 16 anos, uma tendência de subida que se verifica desde 2020 e que no ano passado levou ao registo de 1833 ocorrências (+8,7% que em 2023). Igualmente a subir está criminalidade grupal praticada por jovens, a qual, na visão das autoridades, é motivada por rivalidades entre grupos juvenis relacionadas com motivos fúteis, como disputas entre bairros, sendo que muitas vezes o rastilho para a violência nasce nas redes sociais e em plataformas de vídeos como o YouTube, onde muitos adolescentes passam horas a fio (tantas vezes sem qualquer supervisão parental). Por outro lado, o programa Escola Segura registou 5380 ocorrências criminais em ambiente escolar no ano letivo 2022/23, mais 16,1% que no ano anterior, destacando-se aqui as ofensas à integridade física como o crime mais praticado e as mais de oito dezenas de crimes de posse/uso de arma.

Este contexto, assente em números concretos, talvez ajude a explicar o sucesso da minissérie britânica Adolescência (não só em Portugal, como internacionalmente). Ao longo de quatro episódios, na plataforma Netflix, conta a história de um crime praticado por um adolescente de 13 anos, tendo como pano de fundo o uso nocivo das redes sociais e das caixas de comentários, onde o que aparentam ser simples emojis têm, afinal, segundas leituras (a série motivou até a PSP a publicar um descodificador de emojis nas suas redes, como alerta aos pais). Adolescência é também a história de como, de um momento para o outro, uma família funcional pode ser apanhada desprevenida por um comportamento impulsivo do adolescente que têm em casa e que fervia sozinho nas inseguranças próprias da idade.

Como explica esta quarta-feira no DN o neuropsicólogo espanhol Álvaro Bilbao, especialista em reabilitação cognitiva e emocional, num curto espaço de tempo os “adolescentes passam por muitas mudanças a nível cerebral, o que os torna mais impulsivos, com maior tendência para procurar o risco”, juntando-se a isto o facto de a partilha de emoções ser entendida como “uma vulnerabilidade” nos grupos de amigos. Aos pais, deixa conselhos como ensinar os filhos a usar a tecnologia e estabelecer limites de tempo. E, principalmente, ter portas abertas ao diálogo, para compreenderem e ajudarem os filhos a lidar com os problemas, concedendo primeiro espaço a que sejam eles próprios a encontrar a solução.

É neste equilíbrio delicado que se faz hoje a parentalidade. O que nos mostram os números do RASI e a minissérie Adolescência é que ignorar essa realidade e desvalorizar sinais (mais bruscos ou mais subtis) de mudança no comportamento padrão dos adolescentes, atribuindo tudo à imaturidade, é confiar demasiado na sorte.

Editor executivo do Diário de Notícias

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