“O adolescente não deve dormir com o telemóvel no quarto”
Especialista em reabilitação cognitiva e emocional e autor de bestsellers como O Cérebro da Criança Explicado aos Pais, Álvaro Bilbao está de volta aos livros, agora com os jovens e adolescentes como tema. Em passagem por Lisboa para promover o seu novo título, Prepara-te para a Vida (Editora Planeta de Livros), falou com o DN.
A adolescência é frequentemente descrita como um período de caos, de tempestade, de emoções exacerbadas. O que se passa realmente com o cérebro durante a adolescência?
Os adolescentes passam por um período de muitas mudanças a nível cerebral em muito poucos anos, o que os torna mais impulsivos, com maior tendência para procurar o risco, para viver em confronto com os pais e tudo isto faz com que seja uma fase diferente. Normalmente, começa por volta dos 11 anos com a puberdade, que é a mudança nos órgãos sexuais que faz com que o cérebro do adolescente seja impregnado de testosterona ou estrogénio e faz com que comecem os primeiros comportamentos um pouco difíceis de compreender. E à medida que crescem, sobretudo por volta dos 13-14 anos para as raparigas, 14-15 anos para os rapazes, começa uma fase de maior confronto porque já há mudanças a nível cerebral. No início são mudanças puramente químicas, mas depois aparecem mudanças estruturais que afetam sobretudo o desenvolvimento de diferentes estruturas na região frontal do cérebro.
Escreve no primeiro capítulo deste seu novo livro que o autoconhecimento é o melhor “comprimido” para prevenir e tratar muitos dos problemas que enfrentamos. Uma das principais dificuldades que os jovens e os adolescentes têm é a de fazer corresponder aquilo que são ao que pensam que os outros querem que eles sejam?
Sim, depende um pouco dos adolescentes. Por exemplo, há adolescentes que são muito pressionados pelos pais e sabemos que as duas coisas que mais stressam um adolescente são, em primeiro lugar, as expectativas muito elevadas dos pais em relação a eles e, em segundo lugar, que os pais sofram de muito stress, ou porque têm empregos complicados, ou porque estão a passar por uma situação pessoal ou conjugal difícil. Quando qualquer uma destas circunstâncias está presente, sabemos que temos um adolescente muito stressado.
E porque é que o autoconhecimento é a competência mais poderosa que podem desenvolver nessa fase? Como é que os pode ajudar a tomar decisões importantes no futuro?
Porque quando os adolescentes se conhecem bem a si próprios, conhecem o seu carácter, sabem do que gostam, sabem o que sentem por uma pessoa, sabem o que pensam e se ouvem a si próprios, estão mais aptos a tomar boas decisões, seja encontrar grupos de amigos, escolher um parceiro que nos faça sentir bem ou escolher um percurso académico ou escolar que satisfaça os nossos desejos profissionais.
Outro aspeto que salienta é a inteligência emocional: os jovens têm dificuldade em lidar com emoções?
Hoje em dia temos um paradoxo. Os rapazes e as raparigas sabem mais sobre emoções do que os seus pais sabiam com a sua idade. Têm mais vocabulário emocional e sabem que têm o direito de sentir emoções, mas ao mesmo tempo optam por não falar de emoções porque nos grupos de amigos é mal-visto falar de emoções, de tristeza e vulnerabilidade. Identificámos isso em vários estudos. Tanto nos grupos de rapazes como nos de raparigas, parece que temos sempre de nos sentir bem, de ser felizes, de querer fazer coisas…
O sistema educativo dá pouca atenção à inteligência emocional em comparação com o conhecimento racional?
O conhecimento racional sempre foi muito mais valorizado, mas eu trabalho com escolas e já vejo uma mudança importante. Encontramos cada vez mais professores que sabem ouvir, que dizem às crianças que as suas emoções são importantes, que elas têm de se sentir bem com as decisões que tomam. Mas o facto é que os seres humanos têm dificuldade em ligar-se a essas emoções, porque elas às vezes magoam, são difíceis de digerir, podem ser duras e, portanto, sejamos adolescentes, pais ou professores temos todos dificuldade em gerir bem as emoções. É difícil ser um especialista em emoções. Mas sim, sem dúvida que devemos ter disciplinas que ensinem os rapazes e as raparigas a conhecer o seu cérebro, a saber gerir a raiva, a frustração, etc. É importante que as crianças e jovens aprendam a lidar com as emoções.
“Os rapazes e as raparigas sabem mais sobre emoções do que os seus pais sabiam com a sua idade. (...) Mas, ao mesmo tempo, optam por não falar nisso porque nos grupos de amigos é mal-visto falar de emoções, de tristeza e vulnerabilidade.”
Álvaro Bilbao
Escreve a determinada altura que “não há emoções más, todas as emoções são positivas”. Como assim?
Bem, refiro-me principalmente ao facto de todas as emoções serem úteis para os adolescentes. Quando um adolescente sente raiva, tem de compreender que essa raiva lhe vai permitir ultrapassar um obstáculo que está no seu caminho. Quando se sente desiludido por ter tido uma má nota, essa desilusão deve levá-lo a refletir sobre a forma como pode fazer melhor as coisas. Quando estamos tristes, precisamos de nos sentir recolhidos durante algum tempo para descansar. Portanto, não há emoções boas e más, temos emoções agradáveis e desagradáveis, mas todas as emoções têm como objetivo ensinar-nos um caminho.
O aumento da ansiedade e da depressão entre os jovens tem sido alarmante nos últimos tempos. Temos falhado na preparação dos nossos filhos e alunos para lidar com estes desafios emocionais?
Quando surgiu a pandemia e assistimos a este enorme aumento dos problemas de saúde mental, todos nós, incluindo eu, o associámos diretamente àqueles meses de confinamento, de reclusão. Mas com o passar do tempo, vemos que este problema continua presente. Temos mais casos de ansiedade, muito mais casos de perturbação obsessiva compulsiva, mais casos de fobias. São todas perturbações que têm a ver com o medo, e a falta de capacidade de gerir o medo. O que eu explico aos pais e às escolas é que estas crianças precisam de ter mais ferramentas para lidar com o medo. E a principal ferramenta é a comunicação, ou seja, que pais e professores estejam atentos para poderem comunicar com os nossos filhos/alunos. Depois, por outro lado, temos de trabalhar algumas competências essenciais.
E que competências são essas?
Bem, em primeiro lugar, o autocontrolo, ser capaz de gerir o nosso próprio medo. O maior fator de previsão do suicídio entre os adolescentes tem a ver com a impulsividade. Há muitos adolescentes que se sentem tristes e há muitos adolescentes que pensam no suicídio. A diferença entre os que se suicidam e os que não o fazem é que os que se suicidam têm menos autocontrolo. Além isso, a persistência. Se sempre que quero alguma coisa os meus pais me compram porque querem que eu seja uma criança feliz e não me ensinam a lutar por ela, a esperar, a ser um pouco paciente quando me sinto mal, não vou conseguir esperar até me sentir bem, vou sentir-me ansioso porque acho que não vou conseguir. A persistência e o autocontrolo são duas competências muito importantes.
Outro aspeto que destaca como importante é a identificação de boas amizades e o afastamento de relações tóxicas. Como é que os jovens podem identificar isso?
Têm de se basear nas suas próprias emoções. Se quando regressam de estar com um amigo se sentem mal consigo próprios ou diminuídos, isso é porque provavelmente o outro amigo lhes faz mal emocionalmente, abusa da sua generosidade, dos seus bons sentimentos, do seu tempo. A questão das amizades é algo que muitos miúdos gerem facilmente, mas para outros é um problema muito grande porque se deixam entrar em relações tóxicas, e isso é muito relevante na adolescência. Porque se ao longo da vida precisamos de ter amigos, na adolescência então é a coisa mais importante.
Que conselho daria a esses jovens que se sentem sós e com problemas em ter amigos, o que também é muito frequente nestas idades?
Sim, diria três coisas. A primeira é ter paciência, quase toda a gente acaba por encontrar amigos na vida adulta, ou no final da adolescência, com os quais se sente bem. Em segundo lugar, desenvolver competências, porque às vezes pensamos que não temos amigos porque os outros não nos aceitam, mas também precisamos de ter trabalho pessoal, desenvolver competências de comunicação para nos relacionarmos com os outros, para propor coisas, experimentar ambientes e atividades diferentes, porque por vezes não vamos encontrar amigos de que gostamos na escola, mas noutros locais. E a terceira coisa que eu digo sempre a todos os miúdos é que, quando vão para o recreio da escola, quando andam pelo bairro ou quando estão nesses grupos de atividades, procurem um rapaz ou uma rapariga que os faça lembrar de si próprios, porque provavelmente terão interesses semelhantes. Têm de fazer esse trabalho e esse esforço de procura.
As redes sociais tornaram-se a maior dependência ou vício dos jovens? Como é que vieram aumentar a vulnerabilidade dos adolescentes?
Sim, sabemos que nos centros de tratamento da dependência na Comunidade de Madrid, em Espanha, o que levava ali aqueles jovens era, habitualmente, em 90% adições de álcool e drogas e em 10% casos relacionados com o vício do jogo. Agora temos cerca de 50% de dependência de canábis e álcool e os outros 50% dividem-se entre dependência de ecrãs e dependência de jogo. Os adolescentes são muito vulneráveis porque na adolescência temos tendência a ficar obcecados com certas coisas. E os ecrãs são altamente viciantes.
Devem os pais impor limites e restrições ao uso da tecnologia ou há formas mais eficazes de proteger as crianças?
Bem, é muito importante que ensinemos as crianças, desde pequenas, a terem autocontrolo com a televisão, com os videojogos, etc. Mas há algumas regras no uso da tecnologia que estabeleço com os pais e jovens que quiserem trabalhar comigo. A primeira regra é que o adolescente não pode dormir com o telemóvel na mesma divisão. Porque quando temos o telemóvel no quarto, tendemos a ficar a olhar para ele até tarde, perdemos horas de sono, o que nos faz sentir mais frustrados, mais cansados e torna o telefone mais atraente, porque pode dar-nos uma dose de dopamina que nos faz sentir bem. Além de que se tivermos o telemóvel ao lado da cama, acordaremos mais cedo, simplesmente porque quando um ciclo de sono terminar lembrar-nos-emos que o temos ali ao nosso lado e vamos querer olhar para o ecrã. A outra área onde os telemóveis são proibidos é à mesa de jantar. E a terceira regra é que os pais têm de ensinar os filhos a usar a tecnologia, e isso é feito estabelecendo limites de tempo. Isto pode evitar casos como os que vejo nas consultas, de violência doméstica em que crianças batem nos pais simplesmente porque estes lhes dizem para desligar um pouco. Hoje em dia, o bem mais valioso de qualquer menino ou menina desta idade é o seu telemóvel e isso tem de ter limites.
“As crianças que têm pais com mais autoridade - não autoritarismo ou abuso, apenas autoridade - amam mais os seus pais e sentem-se mais seguras perto deles. Aquelas cujos pais não cumprem os seus papéis parentais sentem-se muitas vezes desprotegidas e desligadas.”
Álvaro Bilbao
Outro alerta que deixa é sobre a excessiva proteção dos adolescentes. Qual é a fronteira entre um pai atencioso e um pai controlador?
Temos diferentes questionários que nos permitem avaliar a excessiva proteção. Por exemplo, dizer às crianças o que vestir seria considerado superprotetor. É bom, por exemplo, ajudá-los a decidir o que vão estudar, se querem estudar Ciências ou Literatura, mas invadir demasiado os processos de decisão pode levar a uma superproteção. Existe um departamento de psicologia no Japão, na Universidade de Gunma, que tem os estudos mais avançados nesta matéria e que deixam claro que, globalmente, em todo o mundo, os rapazes e as raparigas são superprotegidos. O conselho que costumo dar aos pais é que, se o nosso filho ou filha vier ter connosco com alguma questão, temos de perceber se é algo com que eles conseguem lidar sozinhos ou não. Se não for, nós podemos ajudar. Mas primeiro podemos deixá-lo descobrir por si próprio.
Outro fenómeno muito atual é o dos pais que se julgam muito modernos ao quererem ser os melhores amigos dos filhos. Isto é uma má ideia?
Há uma frase que digo muito aos pais: não pode construir a sua autoestima enquanto pai prejudicando a autoestima dos seus filhos. Ou seja, o nosso trabalho enquanto pais é estabelecer limites e regras, dar segurança aos nossos filhos, dar-lhes um lar, dar-lhes comida, estabelecer limites e regras, e exigir-lhes: exigir que tenham boas notas, que sejam boas pessoas, que partilhem, que ajudem em casa. A relação dos pais com os filhos nunca pode ser uma relação horizontal. O que sei por experiência própria é que as crianças que têm pais com mais autoridade - não autoritarismo ou abuso, apenas autoridade - amam mais os seus pais e sentem-se mais seguras perto deles. Aquelas cujos pais não cumprem os seus papéis parentais sentem-se muitas vezes desprotegidas e desligadas, e não confiam neles.
Por fim, o que devem os pais fazer quando sentem que estão a perder a ligação com os filhos?
Bem, é importante que compreendam, primeiro, que durante a adolescência haverá momentos em que sentiremos que estamos a perder essa ligação, em quase todos os casos. Porquê? Porque uma das tarefas dos adolescentes é separarem-se dos pais e passar mais tempo com os amigos. Mas é preciso ter em conta que há indicadores que nos dizem quando isto é saudável e quando não é. Se depois de sair com os amigos chegam a casa e nos querem contar o que fizeram, este é um indicador saudável. Se em casa passam muito tempo no quarto, mas ocasionalmente vão à cozinha para conversar, para falar connosco, e gostam de nos contar as suas coisas, este é um indicador saudável. Por outro lado, se nos falam negativamente, se nos dizem que não sabemos nada sobre as coisas que geralmente acontecem, se passam o tempo todo no quarto e não veem nenhum amigo, se não querem comunicar connosco quando estão connosco, esses são sinais de alerta com os quais nos devemos preocupar.