Abuso sexual de crianças no contexto da Igreja. E agora?

Publicado a
Atualizado a

São já conhecidos os resultados a que chegou a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa. Números muito preocupantes mas que não me surpreendem, de forma alguma. O abuso sexual de crianças é uma problemática com elevada prevalência e muito democrática no que respeita às características das vítimas ou dos agressores. É uma problemática complexa, com fortes implicações para as vítimas e para a sociedade devendo, por isso, ser encarada como um problema de saúde pública.

O abuso sexual acontece na Igreja, tal como acontece noutros contextos - com maior incidência na família, é certo, mas também noutros espaços onde as crianças estão habitualmente inseridas (como o desporto, a educação ou os chats online).

Perante estes resultados aterradores, e em particular no que respeita às medidas preventivas a desenvolver, para além daquelas elencadas no relatório da referida Comissão destaco a importância de se investir em ações de prevenção primária, de carácter universal, de modo a potenciar fatores protetores e a minimizar fatores de risco.

Significa isto que todas as crianças a partir da idade pré-escolar (3-4 anos de idade) deveriam beneficiar de ações preventivas, no contexto dos vários sistemas onde estão inseridas, dinamizadas por adultos de referência devidamente formados e com supervisão contínua.

Os programas de prevenção primária do abuso sexual infantil têm como principal objetivo aumentar os conhecimentos das crianças sobre o abuso sexual (o que é?), ensiná-las a reconhecer ou identificar possíveis situações de risco (onde/com quem?) e a pedir ajudar/revelar uma eventual situação de abuso sexual (como?). Alguns autores referem que a prevenção universal do abuso sexual deve ancorar-se nos "3R"s": Reconhecimento, Resistência (e.g., dizer não) e Revelação (e.g., revelar a um adulto de confiança). Assim, alguns dos conteúdos a abordar envolvem o corpo, os limites, os toques, os segredos e as emoções, aprendendo a dizer "sim" e "não" e a pedir ajuda.

Os estudos de eficácia permitem-nos ainda afirmar que a realização de sessões pontuais (e.g., uma ação de sensibilização) são ineficazes e, também, que os programas com maior duração não são necessariamente mais eficazes. De uma forma geral, os programas mais eficazes são aqueles que são dinamizados em várias sessões, com alguma continuidade ao longo do tempo (e.g., ao longo de todo o processo de escolaridade), com recurso a estratégias lúdicas ativas.

Perante estes resultados, a questão que se impõe é: E agora?

Agora é manter um canal de comunicação aberto, para que mais vítimas possam revelar os abusos de que foram (ou estão) a ser vítimas.

Agora é definir o modo como se pode ajudar estas vítimas a elaborar a sua vivência traumática.

Agora é apostar na prevenção primária, junto das crianças e jovens, nos vários contextos em que estão inseridos.

Agora é apostar na intervenção psicoterapêutica junto das vítimas e também dos agressores.

Agora é pedir à sociedade em geral, e à Igreja em particular, que atue na prevenção, deteção, sinalização, formação e intervenção terapêutica.


Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt