A velha burocracia está morta! Viva a nova burocracia?

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Max Weber, o pensador que melhor teorizou, no século XX, a burocracia e a racionalização das instituições modernas, dificilmente teria imaginado um mundo onde algoritmos e máquinas com capacidade de autoaprendizagem substituíssem as estruturas que ele considerava fundamentais para o bom funcionamento do Estado. E aqui estamos nós, num mundo acelerado, onde a Inteligência Artificial e as poderosas oligarquias tecnológicas levantam uma questão inquietante de como poderá o modelo weberiano sobreviver no futuro.

A burocracia weberiana, com estruturas hierárquicas e regras claras, foi idealizada para limitar o poder pessoal e assegurar uma gestão racional e previsível do Estado. Este modelo enfrenta agora desafios inéditos, em que as grandes corporações tecnológicas, que concentram volumes colossais de dados e desenvolvem algoritmos que moldam o mercado e o comportamento social, atuam frequentemente à margem da lei e do escrutínio público. O perigo é a substituição do poder político por uma elite de engenheiros e executivos que operam algoritmos opacos.

A questão central é como adaptar as instituições de regulação e fiscalização a esta nova realidade. A criação de agências públicas especializadas em ética digital e auditoria algorítmica é uma solução possível, mas estas estruturas não podem funcionar como meros observadores passivos. É essencial que estas instituições tenham meios para fiscalizar decisões tomadas por algoritmos que podem influenciar a resolução de múltiplos eventos das nossas vidas.

O aparecimento de novas organizações “líquidas”, enquanto estruturas flexíveis e descentralizadas, desafia ainda mais os modelos burocráticos tradicionais. Essas organizações irão passar a operar em redes dinâmicas, em que os dados passam a circular entre regulados e reguladores, para um controlo mais eficaz, sem necessidade de qualquer intervenção humana.

Os relatórios extensos e as decisões lentas darão lugar a algoritmos preditivos que antecipam falhas éticas, práticas abusivas ou riscos emergentes, intervindo antes que os problemas se agravem.

Outro desafio é garantir que a sociedade civil não seja excluída desse processo. A literacia digital precisa de se expandir para que os cidadãos possam questionar como os algoritmos afetam as suas vidas. A transparência algorítmica deve ser um direito fundamental, pois tal como uma lei é publicada no Diário da República, também os algoritmos que orientam decisões públicas deveriam ser auditáveis e compreensíveis.

O verdadeiro teste às democracias reside na sua capacidade de resistir à sedução da eficiência tecnológica desprovida de controlo democrático. O perigo não está apenas na manipulação digital ou na desinformação em massa, está também na tentação dos governos de delegar decisões complexas a sistemas que prometem eliminar a ineficiência burocrática, mas que corroem os mecanismos tradicionais de deliberação e responsabilidade política.

A velha burocracia weberiana poderá não ser suficiente para enfrentar este novo mundo. No entanto, os seus princípios de transparência, previsibilidade e separação clara entre poder pessoal e institucional continuam a ser fundamentais para evitar que a sociedade resvale para uma nova forma de despotismo digital. A resposta não está em rejeitar a tecnologia, mas em reinventar as instituições democráticas para que estas possam acompanhar a velocidade com que as máquinas aprendem a decidir.

Se as democracias vão resistir, isso dependerá da capacidade dos cidadãos para se tornarem não apenas consumidores de tecnologia, mas vigilantes ativos da sua evolução. A burocracia weberiana pode não ter todas as respostas, contudo, sem a sua reinvenção, corremos o risco de perder a única bússola que distingue a eficiência da justiça, a inovação do abuso e o progresso da tirania digital.

Especialista em governação eletrónica

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