Poucas coisas teriam demonstrado tanta força política como as reações à demissão de Pedro Nuno Santos. O ministro, envolvido na indemnização milionária de uma administradora da TAP e responsável pela sua ida para outra empresa pública, abandonou o governo de António Costa aparentemente isolado, desacreditado e de bom-senso colocado em causa. Mas apenas aparentemente. 12 horas mais tarde, três ministros e múltiplos deputados aplaudiam a dignidade no gesto do agora ex-ministro. A nota de despedida de Costa deixava elogios. E Alexandra Leitão louvava mesmo o seu legado reformista e apontava perguntas a outro governante: Fernando Medina..Surpreendentemente, a saída de Pedro Nuno Santos - não mentindo, nem explicando -‒tornou-se mais confortável do que a posição do ministro das Finanças, que se comprometeu com não saber da indemnização quando convidou Alexandra Reis para sua secretária de Estado, e do primeiro-ministro, com uma crise política no colo a encerrar um ano já alucinante. Pedro Nuno voltará ao parlamento, prosseguirá o domínio da máquina partidária do PS e falará publicamente sobre o país, como aliás outros parlamentares socialistas vêm fazendo e outros, pelos vistos, esperam que faça. Ouvindo-os, o dia de ontem não assinalou a morte política de Pedro Nuno Santos, mas antes o início de uma nova vida..Para percebermos como será ela - e o seu entrelaçamento com a nossa ‒ importa perscrutar o caminho que percorreu até este último capítulo. As dúvidas são mais do que evidentes. Como é que um homem ativamente de esquerda consente com uma indemnização de meio milhão de euros a uma gestora privada? Como é que alguém cujas ambições são notórias não antecipa a tempestade que a verba, numa TAP nacionalizada e reestruturada, causaria? Como é que um político com experiência de sete anos de governação promove na esfera pública alguém acabadinho de receber 500 mil euros do Estado? Como é que um defensor vocal do povo põe o povo a pagar 3 mil e duzentos milhões de euros de buraco financeiro?.Estando o próprio em silêncio, sobra presumir. A minha teoria é simples: tudo o que potencia o sucesso de Pedro Nuno - o carisma, a coragem, a vontade - é igualmente a causa dos seus mais recentes infortúnios. O excesso de confiança, de voluntarismo, de individualismo, são características indispensáveis para um líder, mas problemáticas para quem ainda não o é. O seu protagonismo no congresso da Batalha, que pôs de pé, a sua iniciativa de avançar com o despacho de localização do novo aeroporto, que o primeiro-ministro revogou, a sua insistência em salvar aquilo que mais ninguém acredita - e cada vez menos desejam - salvar. Tudo isso é Pedro Nuno. Tudo isso era, numa palavra, inevitável..E talvez seja impossível compreender essa inevitabilidade sem olhar para as suas origens, para o facto de ter crescido rodeado de sucesso e prosperidade empresarial, para o facto de estar visivelmente convencido que, quando se quer mesmo uma coisa, essa coisa acontece. A sua adesão nas bases do PS não é mais do que um efeito dessa aura, de que nada é - ou será - impossível com ele..Infelizmente, para ele e para os contribuintes, não só há impossíveis na política, como também na gestão da coisa pública. O paradoxo de Pedro Nuno Santos é esse. É um socialista de origem e mentalidade mais do que burguesas. Dentro dele, está a ânsia de um industrial, do que chamaríamos "um fazedor". Fora dele, está um partido, que é o dele, um Estado, que é o nosso, e um país, que é pobre - onde não há lugar para esse tipo de disrupção, onde a tomada de riscos ultrapassa quem os decide, onde, no fim, pagamos todos. E tanto a indemnização choruda como a nacionalização custosa se entendem melhor com essa perspetiva da sua personalidade..Como é que conviverá com a última fila da Assembleia da República? Veremos. Como é que se dará com um calendário que poderá não coincidir com o seu? Veremos. Como é que contornará o desgaste de ser "o próximo" há quase sete anos? Veremos. Como é que concretizaria o sonho de ser primeiro-ministro com um PS desfeito? Veremos..Primeiro, precisa de se explicar..O potencial é verdadeiramente perigoso, mas não necessariamente definitivo. Dito de outro modo: a tragédia de Pedro Nuno até pode ter um final feliz..A nossa é que nem por isso..Colunista