A terra prometida

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Na posse de presidente, Joe Biden não omitiu, sempre de acordo com as suas referências concretas à religião católica, de citar o Papa Francisco, nem de insistir, na qualidade no cargo, assumir a responsabilidade pela unidade do povo americano, nem de tornar evidente que vai assumir revogar a negada aceitação da cooperação global feita pelo antecessor presidente na inesquecível Assembleia Geral da ONU. Em toda a cerimónia de posse, foi visível a simpatia com que os presentes, salientando os antigos presidentes ainda vivos e também presentes, distinguiam a presença do antigo presidente Obama, que o novo eleito acompanhara como vice-presidente. Ele, não ignorando a história da sua América (a terra prometida), tinha a convicção, e prática, de que a nação existia, independentemente das violências éticas e étnicas do passado, pelo que muitas experiências demonstram que, na importante doutrina política, é o Estado que, de regra funda a nação, e não o contrário.

No seu livro de memórias, agora traduzido o primeiro volume com o título Uma Terra Prometida (2020, Penguin Random House), descreve a notícia da morte da avó que recebeu "no seu último dia de campanha" para a presidência, e acrescenta: "Ela era um daqueles heróis discretos que existem em toda a América. Não são pessoas. Os nomes deles não vêm nos jornais, porém trabalham arduamente todos os dias, um após outro. Cuidam das suas famílias, sacrificam-se pelos filhos e pelos netos, não procuram as luzes da rebeldia, a única coisa que procuram é fazer o que está certo."

O presidente Trump, ao deixar a Casa Branca, assinou o "perdão" de uns 140 colaboradores, não assistiu ao ato, e afirmou que o seu programa ia prosseguir. A questão é se a divisão da população, com lembrança inapagável do assalto ao Congresso, se traduz na certeza da divisão do que Obama chamou "uma terra prometida", um conceito que o eleito Joe Biden assume apelando à paz, à existência da nação que tem as habituais múltiplas etnias de origem, mas que atinge a unidade, sem receber o passado a benefício de inventário, mas assumindo os valores que identificam a nação.

O novo presidente, aquilo que divulgam receber do antecessor, na Casa Branca, seria uma breve carta mais uma vez afirmando "tu sabes que venci". O facto parece sublinhar que o objetivo do seu projeto é continuar a não respeitar o valor da "terra amada", mas continuar o divisionismo que atinge não apenas os interesses nacionais, mas também os globais dos povos, como é o caso do Tratado de Paris, de assumir a avaliação negativa do risco da pandemia, sendo responsável pela mortandade que atingiu o povo e afetou a liberdade científica, considerou um triunfo que o Tribunal Penal Internacional tivesse abandonado o acordo em que devia investigar crimes contra a humanidade, porque os Estados não colaboram, parecendo que os EUA e o Reino Unido entendiam que estavam apenas submetidos ao juízo de Deus.

Entretanto, o historiador Timothy Snyder mantinha-se na conclusão, que publicara, de que "ele procurou sempre destruir a verdade dos factos para destruir a democracia". De caminho, a servir de exemplo, não se impediu de publicamente pôr em perigo de vida a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, incitando a população a "libertar o Estado" de quem procurava defender a população que a elegera, da negação da existência da pandemia. O violento ataque ao Capitólio não é um ponto final das suas históricas intervenções e dificilmente pode deixar de tornar atenta a opinião pública sobre o brutal crescimento do comércio de armas, quando está identificada pelo FBI uma milícia da extrema-direita, junta-se a identificada afirmação de uma milícia armada trumpista, e finalmente a breve carta que deixou ao sucessor na Casa Branca, lembrando nas breves palavras que o seu projeto político não perdeu nem a definição nem a procura dos meios.

O governo do Michigan não parece estar esquecido. O novo presidente, cujo primeiro ato foi a consagração do Cemitério Nacional de Arlington, sabe que a nação não se recebe a "benefício de inventário", e que, além dos erros não esquecidos, avulta o passado de serviço ao que finalmente é a nação. O problema que enfrenta marca o número, que não terminou, dos apoios de responsáveis internacionais pelos objetivos da ONU e da UNESCO: uma só terra, património comum da humanidade. A sua primeira intervenção, honrando a memória dos milhares de americanos que morreram em combate pela justiça natural, declara a sua vinculação ao credo dos valores acima do credo dos interesses sem justiça.

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