A tempestade pode esperar
Estamos em tempo de vésperas, enquanto Donald Trump não toma posse para o segundo mandato na Casa Branca. As próximas sete semanas serão muito mais de posicionamento, bem menos de grandes decisões definitivas. Quase todos suspeitamos que vem aí uma espécie de tempestade perfeita. Mas, por enquanto, ela pode esperar.
Na entrevista à Sky News, Zelensky sugeriu que a “fase quente” da guerra na Ucrânia poderia terminar em troca de uma adesão à NATO, abrindo, pela primeira vez, a porta a uma cedência dos territórios ucranianos ocupados pela Rússia.
À primeira vista, poderia surgir como um primeiro reconhecimento da capitulação ucraniana (até agora, a posição de Kiev foi a de não ceder um milímetro de território ao invasor). Mas é preciso olhar para o quadro inteiro: a chave passa pela obtenção do convite da NATO a uma Ucrânia definida pelas fronteiras internacionalmente reconhecidas desde 1991. Ou seja: a cedência dos territórios ocupados seria sempre temporária e passaria a estar sob uma espécie de período de carência, aguardando uma resolução diplomática internacional.
Vale a pena ler com atenção as palavras de Zelensky: “Se quisermos parar a fase quente da guerra, precisamos de colocar sob a égide da NATO o território da Ucrânia que temos sob o nosso controlo. Precisamos fazê-lo rapidamente. E então, no território ocupado da Ucrânia, a Ucrânia poderá recuperá-lo de forma diplomática. (…) Um cessar-fogo é necessário para garantir que Putin não voltará para tomar mais território ucraniano”.
O presidente ucraniano tenta, assim, inverter o ónus do momento atual do conflito: o caminho para a NATO seria a garantia de segurança que a Ucrânia necessita a longo prazo para não sofrer invasão ainda mais alargada do poder que estiver nos próximos anos e décadas em Moscovo. Mas Zelensky dá sinais de perceber o que muda com o regresso de Trump. Dentro de sete semanas, de Washington virá menos vontade de manter o apoio militar a Kiev e uma pressão crescente para se encontrar uma solução que trave o conflito no terreno.
Noutra entrevista do presidente ucraniano, esta à FOX News, Zelensky tentou mais um momento de aproximação ao presidente eleito norte-americano, com quem já lidou nos primeiros anos de presidência em Kiev: “Depende muito mais dos Estados Unidos da América acabar com esta guerra. Putin é mais fraco que os EUA. O presidente dos EUA tem a força, as autoridades e as armas. E pode diminuir o preço da energia. Não será simples, mas acho que se usar todas as questões que os Estados Unidos têm, sim, ele consegue. Porque Trump é muito mais forte que Putin. Ele é mais forte. Os Estados Unidos são mais fortes”.
Os sinais de Kellogg
Keith Kellogg, tenente-general reformado do Exército, foi escolha previsível de Donald Trump para gerir o dossiê Ucrânia. Conselheiro de Segurança Nacional do então vice-presidente de Trump, Mike Pence, no primeiro mandato presidencial de Donald, Kellogg tem assumido, nos últimos anos, um papel importante na área da Defesa e Política Externa entre o círculo próximo do presidente eleito.
Ao anunciar a escolha, Trump apontou que Kellogg o ajudará a “garantir a paz através da força”. Ora, esta ideia parece remeter para uma via não totalmente isolacionista, corporizada pelo vice-presidente JD Vance. Pelo menos numa primeira fase, é de esperar que a futura Administração Trump não deixe cair a Ucrânia por completo. Kellogg pretenderá enveredar por uma via realista, que se foque na paragem da guerra e no estabelecimento de uma linha de onde os russos não poderão continuar a passar, na frente leste ucraniana. Mas esse realismo também deverá vetar a pretensão de Zelensky de ter um convite oficial da NATO para a adesão da Ucrânia. “Não é o momento”, avisa o futuro enviado-especial americano.
No verão passado, Kellogg, em conjunto com Frederick Fleitz, assinou um plano que cessaria a ajuda militar à Ucrânia, a menos que Kiev concordasse em realizar negociações de paz com a Rússia. Washington avisaria simultaneamente Moscovo de que qualquer recusa de negociação resultaria num aumento do apoio dos EUA à Ucrânia. Embora nunca se tenha comprometido, durante a campanha, com esta via, Trump terá dado sinais de concordar “na globalidade” com estes pressupostos.
Costa entre a defesa da Ucrânia e o aceno a Trump
Deste lado do Atlântico, a entrada em cena de António Costa mostra, pelo menos para já, bons augúrios. O novo presidente do Conselho Europeu sinalizou, no arranque, total comprometimento com a defesa da Ucrânia: “Não há nenhuma solução de paz que não envolva a Ucrânia e que não tenha o acordo da Ucrânia (…) O compromisso da União Europeia com a Ucrânia não é só um compromisso para a guerra. É um compromisso para a guerra, para a paz e para a reconstrução” (entrevista ao Público de sexta-feira passada).
No discurso de passagem do testemunho recebido de Charles Michel, Costa disse ao que vinha, associando a força da construção europeia a dois conceitos mais relacionados com quem dá prioridade aos nacionalismos: patriotismo e soberania. “Num mundo globalizado, a única forma de sermos verdadeiramente patrióticos, de assegurarmos a soberania, é construir uma Europa comum. Só juntos poderemos defender a segurança, a estabilidade e a paz no nosso continente, só juntos poderemos alcançar uma prosperidade partilhada, crescimento económico e a transição climática e só juntos poderemos fazer com que a voz da Europa seja ouvida na cena internacional - a unidade é a força vital da União Europeia”.
Num estilo que os eleitores portugueses bem conhecem, algures entre o realismo e a construção de pontes improváveis, o ex-primeiro-ministro português parece querer assumir, no Conselho Europeu, uma espécie de quadratura do círculo: dispõe-se a ouvir, com “respeito” o que futuro presidente dos EUA tem para dizer, mas já deixou claras diferenças com Trump em questões como as tarifas ou quanto a uma eventual aceitação de um acordo que não passe por uma “paz justa e duradoura” para a Ucrânia. O telefonema de Scholz confirmou que “Putin não está interessado em negociar” e “quer continuar a sua guerra com a ambição de dominar a Ucrânia”. Foi o presidente russo quem “escalou a guerra, a 24 de fevereiro de 2022”, e não - como alguns até aqui no Ocidente dizem - Biden, Macron e Starmer, ao autorizarem o uso de armas de médio e longo alcance em solo russo. E sobre o alargamento da UE, Costa fala em “urgência geopolítica” mas “sem prazos artificiais”.
Orgulho e gratidão
Por força do novo projeto profissional que iniciarei muito em breve, termino, com este texto, a colaboração que mantive durante um ano com o Diário de Notícias.
Ter publicado bem mais de uma centena de análises no DN, jornal que leio desde miúdo, foi um dos maiores orgulhos da minha vida profissional. Agradeço a oportunidade que me foi dada pelo convite do José Júdice e também a manutenção da confiança por parte do Bruno Contreiras Mateus e do atual diretor, Filipe Alves. Faço um agradecimento especial ao Leonídio Paulo Ferreira, diretor-adjunto, e à Helena Tecedeiro, editora executiva, pelo apoio inexcedível e pela liberdade incondicional que sempre me garantiram. Em todos os momentos.
Continuarei a ler diariamente este jornal de referência, com uma história única e um papel determinante no fortalecimento da democracia, da sociedade e da cultura portuguesa.
Muito obrigado a todos.