A semente do liberalismo que Espanha perseguiu. E todos ficámos mais pobres

Publicado a

A História demonstra, uma e outra vez, que os países mais desenvolvidos são aqueles que perseguem ideais liberais. Mas se associamos liberalismo a pensadores britânicos, como Adam Smith e John Locke, a verdade é que há um capítulo quase esquecido deste pensamento que o traz para bem mais perto e muito antes do que se poderia pensar: Espanha no século XVI, na influente Escola de Salamanca.

Ali, um grupo de pensadores, a maioria religiosos, como não podia deixar de ser, à época, lançou as bases de ideias que viriam a moldar o mundo moderno - isto apesar de a sua própria pátria os ter perseguido e deixado para a sua maior rival, a Inglaterra, os frutos do seu pensamento. Portugal, esse, nem os quis ouvir.

Figura de proa desta revolução intelectual foi o jesuíta e teólogo Juan de Mariana. Foi dos primeiros a argumentar que o valor dos bens não reside na sua natureza, mas nas necessidades humanas e na lei da oferta e da procura, antecipando assim em séculos a Teoria da Utilidade Marginal da Escola Austríaca de Economia. Deitou por terra a teoria, comum na época - e que perdurou até aos dias de hoje para os que ainda seguem Marx! - de que o valor de um bem era determinado pelo trabalho necessário para produzi-lo.

Juan de Mariana e seus seguidores perceberam que o preço não resulta do trabalho despendido, mas da utilidade percebida pelo consumidor e da sua raridade. Isto nos anos de 1500! O valor de um diamante, por exemplo, não se deve ao esforço para o extrair, mas à sua escassez e ao desejo que as pessoas têm de o possuir. É tão evidente, não é? Então por que razão temos deputados eleitos que aparentemente não o compreendem?

A partir desta teoria subjetiva do valor - que viria a tornar-se um pilar central da Escola Austríaca de Economia -, os escolásticos de Salamanca perceberam, então, que o valor depende da avaliação individual de cada pessoa. Um copo de água é infinitamente mais precioso para um homem com sede no deserto do que para alguém a boiar num rio. Esta ideia desafiou a ortodoxia económica da época e mostrou que o valor é determinado por indivíduos a agirem de forma voluntária e não por decretos do governo ou pelo custo de produção.

Mas estes intelectuais não se ficaram por aqui: defenderam que a propriedade privada era um direito natural e alertaram para os perigos da intervenção estatal na economia.

O trabalho de Mariana foi de todos o mais subversivo… E, como tal, o mais “perigoso”. Na sua obra De rege et regis institutione, (Sobre o rei e a instituição real) ousou afirmar que o poder do rei não era ilimitado, mas estava sujeito à lei natural. E em De mutatione monetae (Acerca da Alteração da Moeda), escreveu mesmo que a política de desvalorização da moeda era um “roubo” à nação. Chegou a argumentar que, por causa disso, um monarca poderia ser legitimamente deposto, ou até assassinado…

Claro que nada disto caiu bem na monarquia absoluta dos Habsburgos e Mariana, com Felipe III, foi aprisionado sob as ordens do Conselho Real. A Inquisição interveio e até acabou por absolvê-lo uma vez que as acusações se centravam em temas políticos e não em heresia. Mas o seu livro foi proibido e ele foi forçado a retratar-se, passando os seus últimos anos sob a sombra da desaprovação oficial, tendo morrido em 1624.

O mundo teria de esperar praticamente uma década para que nascesse John Locke.

Editor do Diário de Notícias

Diário de Notícias
www.dn.pt