A Rússia não vai querer perder esta guerra de forma alguma

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Tal como acontece com qualquer guerra, nenhuma das partes envolvidas a deseja perder. Menos ainda no caso da Ucrânia, pois está a lutar pela sua liberdade, independência e integralidade, o que é totalmente legítimo e expectável. No entanto, a Rússia também não, porque perder esta guerra terá implicações que, do seu ponto de vista, são inaceitáveis no contexto da presente ordem internacional.

Muito se tem dito sobre as razões que motivaram esta invasão. Mas, com toda a probabilidade, o que verdadeiramente está em causa são, fundamentalmente, razões geoestratégicas que, para a Rússia, são preocupantes e não podem ser ignoradas. A adesão da Ucrânia à NATO será uma interferência no espaço de influência e segurança do flanco meridional da Rússia, que condicionará o seu acesso ao Mar Negro, ao Bósforo e ao Mediterrâneo. Nessas condições, chegar ao Médio Oriente e ao Norte de África, regiões onde se situam países com os quais a Rússia tem boas relações e influência, será bastante mais difícil e colocará em causa muita da sua capacidade de ação. Por isso, a Rússia considera que não pode ter o seu acesso ao Mar Negro fortemente condicionado e dificultado pelos EUA e pela NATO, particularmente tendo em consideração as suas ambições enquanto grande potência.

Com as intervenções na Síria e na Líbia, mas também noutros locais no Médio Oriente e em África, a Rússia tem pretendido influenciar os acontecimentos regionais e contrariar algumas ações dos EUA. Este comportamento é expectável no âmbito da rivalidade entre grandes potências e de uma procura por uma maior influência internacional. Mas, para além disso, Putin considera que a Rússia tem mantido boas relações com vários países em múltiplas regiões, muitas delas sensíveis, e até conseguido agir como mediador, inclusive com países que, historicamente, têm tido grandes tensões entre eles. É o caso da Arábia Saudita e do Irão, mas também de Israel e da Síria, entre outros. Diferentemente, os EUA não têm demonstrado essa capacidade e, pelo contrário, têm inclusivamente desestabilizado a ordem internacional com intervenções em países como o Iraque e a Líbia, designadamente. Assim sendo, para Putin a Rússia deve estabelecer-se como um contrapeso em relação aos EUA e à NATO e procurar pôr fim à hegemonia norte-americana que se tem verificado desde o fim da Guerra Fria. Na sua opinião, essa situação hegemónica tem levado os EUA a considerarem que podem intervir quando e onde julgam do seu interesse, na maioria dos casos com consequências desastrosas.

Mas para além de tudo isso, para a Rússia, não perder esta guerra é, na prática, uma questão existencial e, por essa razão, estará disposta a utilizar todos os meios possíveis para evitar que tal aconteça. Assim sendo, a possibilidade de uma escalada, inclusive crescente, é provável. Porventura, mais ainda depois da decisão do presidente Biden de autorizar o envio de bombas de fragmentação para a Ucrânia para ajudar na contraofensiva à invasão russa. Sobretudo por ser uma arma proibida por muitos países, muitos deles ocidentais, de acordo com a Convenção sobre Munições de Dispersão e o Direito Internacional Humanitário. Nessas circunstâncias, a grande questão que nos deve preocupar a todos, sobretudo aos europeus, é até onde irá essa escalada.

Professor de Relações Internacionais na Universidade Lusíada de Lisboa
e investigador integrado no Centro de Estudos Jurídicos, Económicos e Ambientais (CEJEA)

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