A Roseta em falta no Grande Museu Egípcio

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A inauguração do novíssimo Grande Museu Egípcio é a satisfação de um silencioso desejo pessoal que guardei durante trinta e cinco anos. Aquele que é agora o maior museu arqueológico do mundo dedicado a uma única civilização preenche quase por completo o meu imaginário. Falta-lhe, ainda, a grande chave: a Pedra de Roseta.

Verão de 1990. Sob um calor sufocante, entro no Museu da Antiguidade Egípcia, na Praça Tahrir, no centro do Cairo. A quantidade de artefactos, documentos e peças arqueológicas alusivas à civilização egípcia impressionou-me. Pensei de imediato que tanto e tão valioso património, ali quase empilhado, daria para uns quantos museus – pelos padrões europeus. Na semana anterior, havia deambulado por aquele grande país, subindo até à grande barragem de Assuão e passando por Luxor e Asyut, o que me permitiu compreender melhor essa civilização multimilenar, especialmente o período faraónico, muito para além do que me ensinaram os livros da escola.

Terá sido por essa altura que o ministro da Cultura, Farouk Hosni, teve a ideia de reunir num grande e moderno museu o grosso do espólio que documenta a civilização egípcia, incluindo o icónico túmulo de Tutankhamon. Em 1992, o então presidente Hosni Mubarak anunciou o plano para erguer o grande empreendimento. Contudo, os trabalhos no terreno começaram apenas em 2005.

Até à inauguração que acontece esta semana, o caminho foi tudo menos fácil. Desde logo, o financiamento: o museu terá custado mil milhões de dólares, uma verba astronómica que, mesmo se justificando pelo valor histórico que albergará, terá seguramente de ser amortizada pelas receitas dos esperados cinco milhões de visitantes anuais. Mas as maiores dificuldades vieram de períodos disruptivos, como a Primavera Árabe, que em 2011 depôs Mubarak; a pandemia de Covid-19, que em 2020 e 2021 fez eclipsar o turismo no país; e o conflito israelo-palestiniano, mesmo ali às portas da sua fronteira. Os adiamentos da inauguração foram sucessivos, mas agora chegou o momento de abrir ao mundo as suas doze galerias.

Falta, contudo, a mais preciosa das peças – uma pedra com um pouco mais de um metro de altura e cerca de setenta centímetros de largura. Nela, em cerca de cem linhas, está escrito um decreto emitido pelo supremo conselho de sacerdotes e promulgado pelo faraó Ptolomeu V há cerca de 2200 anos. A particularidade é que o decreto está traduzido em três blocos: escrita hieroglífica, escrita demótica e grego antigo. Sucede que, quando foi encontrada, não se conhecia o significado dos hieróglifos, pelo que, depois de decifrada, permitiu – por comparação com o grego antigo – descobrir esta estranha escrita feita de símbolos e, assim, abrir a porta para a extensa compreensão da história do Egito.

O problema é que a Pedra de Roseta foi primeiro descoberta – e depois roubada – pelos exércitos napoleónicos, no final do século XVIII. Os ingleses, que também andavam pelo Egito, derrotaram os franceses na Batalha do Nilo e, na divisão do saque, ficaram com a pedra, que chegou a Londres em 1802 e está desde então no Museu Britânico.

A Pedra de Roseta é a chave que falta ao Grande Museu Egípcio. A sua devolução seria um gesto que muito dignificaria o Reino Unido.

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