A vitória esmagadora de Donald Trump nas Eleições Presidenciais norte-americanas, mais uma vez ao arrepio das previsões das casas de sondagens é, evidentemente, um acontecimento relevante para Portugal e para a Europa, devido às consequências que poderão advir no plano geopolítico e económico. Mas há outra dimensão onde a vitória de Trump terá consequências para os europeus, que é o facto de sinalizar uma tendência que, provavelmente, ganhará força na Europa nos próximos anos..A maioria das análises que têm feito ao fenómeno que permitiu a Donald J. Trump voltar a ser eleito para a Presidência da maior potência mundial centram-se muito em temas como a relação complicada do candidato com a imprensa mainstream, as suas ideias em relação aos imigrantes e aos direitos das mulheres, entre outros dossiers em que tem defendido ideias ao arrepio do que se convencionou chamar de politicamente correto. Mas muitas dessas análises esquecem-se de outro aspeto essencial, que é o facto de Trump ter ido ao encontro daquilo que a maior parte do seu eleitorado deseja..Independentemente do juízo de valor que cada pessoa possa fazer de Trump e das suas ideias, parece claro que a sua vitória se deve ao facto de a maioria do eleitorado norte-americano estar cansada das políticas do Partido Democrata e do ideário woke que permeia muitas delas. Ao contrário dos Democratas, que há anos adotaram a política identitária e o ativismo progressista como elementos centrais da sua estratégia, Trump falou para todos os americanos, incluindo os negros e os hispânicos. É isto que muitos na Europa não conseguem entender..Como é que o candidato frequentemente retratado como racista, xenófobo e sexista consegue o apoio de muitas mulheres e das minorias étnicas, inclusive de imigrantes de primeira e segunda geração? A resposta será, provavelmente, mais simples do que muitos de nós gostaríamos: Trump fala para todos, com uma mensagem simples de entender, assente na ideia de que os Estados Unidos são um país onde quem trabalha no duro deve poder ter oportunidades para crescer e prosperar..Donald J. Trump, o presidente eleito dos EUA, e o seu 'N.º 2', J.D. Vance, o 'vice' que poderá vir a ter aspirações a ser o próximo presidente republicano dos Estados Unidos. FOTO: Direitos Reservados.A sua mensagem é simplista, dizem alguns, apresentando respostas fáceis para problemas difíceis, mas chegou a quem interessa, que é o eleitorado. Enquanto o Partido Democrata tem estado ocupado com mil e uma causas de grupos minoritários e abandonou parte do seu eleitorado tradicional, os Republicanos atiraram a matar nos três temas que preocupam os americanos comuns, independentemente da origem étnica, da cor da pele, do género, da religião ou da orientação sexual: a inflação que corrói o poder de compra e as poupanças; a imigração que - alegadamente - rouba os empregos dos cidadãos menos qualificados; e a criminalidade que assusta muita gente. Junte-se a isto o protecionismo económico, bem como a recusa de mais guerras no estrangeiro, a oposição ao aborto (muito forte em Estados como o Texas) e a coisas como as casas de banho mistas nas escolas e as mudanças de sexo de adolescentes, e eis a vitória de Trump..O candidato regressou ao poder com uma base de apoio mais ampla do que aquela que tinha em 2016, à frente de uma coligação que junta republicanos ditos moderados que outrora o rejeitavam (como o próprio vice-presidente J.D. Vance), movimentos pró-vida, grupos evangélicos e outras forças conservadoras. E com um apoio crescente por parte de eleitorados conservadores que antes votavam massivamente no Partido Democrata, mas que hoje não se reveem no seu ativismo progressista, como os afro-americanos da Costa Leste, os hispânicos católicos e os asiáticos..Para a esquerda dos dois lados do Atlântico, a revolução conservadora que está a começar nos Estados Unidos - Trump não pode recandidatar-se em 2028, mas J.D. Vance sim, pelo que podemos estar perante um ciclo político de 12 anos - deve servir de alerta, porque mais uma vez salta à vista que o eleitorado nos países Ocidentais está a perder o interesse em muitas das suas causas, por justas que possam ser..Boa parte da esquerda terá de se reinventar, sob pena de se tornar obsoleta e de nos próximos anos ocorrerem movimentos tectónicos que façam surgir uma “nova esquerda” composta por forças políticas que hoje estão no centro ou mesmo na direita moderada..Diretor do Diário de Notícias