O Hegel dizia, nos alvores do século XIX, que a leitura dos jornais é a oração matinal do homem moderno. Se substituirmos a leitura dos jornais pela consulta da internet teremos uma nova versão dessa oração matinal, em que a verdade e a invenção se confundem e em que mentirem-nos deixou de ser razão de desconfiança para passar a ser um mecanismo de consolidação da nossa bolha de crenças.Platão distinguia a opinião, crença subjetiva e instável, sem fundamento racional, do verdadeiro conhecimento. Diria que vivemos numa caverna de Platão dominada por opiniões (doxas) que para a maioria dos habitantes da caverna se substituem ao conhecimento.Seja como for, a oração matinal hegeliana tornou-se hoje uma fonte de irritação e revolta, logo às primeiras notícias. Trump propõe-se fazer invadir pela Guarda Nacional os Estados governados por democratas, para fazer cumprir as suas ordens por cima dos governos eleitos. A oração matinal deixa de ter qualquer semelhança com o belo poema de S. Francisco de Assis à natureza, para nos aproximar mais do livro de Job.Que fazer? Eu penso que devemos introduzir nessas horas momentos de alegria contra a tristeza que nos paralisa e conduz à indiferença e à submissão. É que a alegria existe no mundo em geral e bem perto de nós em particular. E só a alegria é criadora e só a alegria nos convida à ação contra a inação, ao pensamento contra a melancolia.Contra mim falo. O que tenho vindo aqui a escrever, avisa-me um amigo, está a tornar-se cada vez mais lúgubre. Bom, a notícia acabada de ler contendo a ameaça de Israel destruir a cidade de Gaza e aniquilar os seus habitantes não é suscetível de inspirar pensamentos ou memórias de alegria.E tudo quanto olhava e quanto viaEram tudo memórias de alegria(Camões)Assim pensava Inês de Castro pouco antes de ser assassinada.Sim, talvez só no amor, enquanto ele dura por cima das catástrofes, encontremos o detonador da alegria, essa arma que nos pode parecer desigual, mas que persiste e insiste, mesmo através da desgraça e da dor. Tu, só tu, puro Amor, com força crua(Camões)Eu sei que para Camões o amor não era um bem, estava antes do lado do mal, por constituir aquela promessa de felicidade (como dirá Stendhal) que o mundo nos irá negar. Mas, para citar agora o Vinícius, que seja imortal enquanto dure. E que nos impeça, com a sua força crua, de sermos formatados por sinistros algoritmos. Na nossa terra multiplicam-se as festas neste final de verão, o que quer dizer que os fogos e os elevadores esmagados não vieram matar a alegria. É ela que nos faz andar em frente e olhar por cima, foi ela “o mais belo presente dos deuses”, como nos diz o hino à alegria de Schiller e Beethoven. E só há verdadeira grandeza no amor e na alegria. Diplomata e escritor