A relação dos portugueses com o dinheiro

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A Caixa Geral de Depósitos, o maior banco em Portugal, e o Millennium BCP, o maior banco PRIVADO português, apresentaram ontem os seus resultados semestrais. Sem grandes surpresas, os números são difíceis de contemplar e interiorizar pela maioria dos portugueses. Os 893 milhões de lucro da Caixa até julho e os 502 milhões do BCP são igualmente quase indecifráveis para os cidadãos, que focam apenas com a perceção mais fácil de que é muito, muito dinheiro.

É aqui que surge a questão de como os portugueses lidam com o dinheiro. Querem-no, como qualquer outro povo. Há quem inveje quem o tem, como qualquer outro povo. Muitos odeiam - de forma mais ou menos velada, ou seja, à portuguesa - as empresas que o conseguem entregar aos seus acionistas. O passo seguinte é a concretização da frase “Eles a encherem-se e o povo a passar fome”.

Como ponto de ordem à mesa, convém recordar o “pormaior” de que se as empresas estão a ter bons resultados, a economia cresce e, com isso, toda a gente ganha. Regra geral, historicamente tem funcionado melhor esse sistema do que o outro, em que tudo é do Estado - portanto, tecnicamente, dos cidadãos - que depois redistribui.

Mas voltando à banca. No caso da banca, esta acidez popular sente-se a duplicar. É por isso que o presidente da Caixa, Paulo Macedo, é confrontado nas conferências de imprensa - como a de ontem - com perguntas sobre se o banco PÚBLICO que dirige deveria estar a ter estes “lucros recorde”.

E Paulo Macedo acertou mesmo na cabeça do prego. “A Caixa tem os maiores capitais, deve ser o banco que dá os melhores resultados. Esta é a situação normal. Quem tem maiores capitais, quem tem maior número de clientes e os serve melhor, deve ter retorno disso”, atirou.

Não é apenas a Caixa que tem retorno disso. No ano passado, a Caixa entregou 850 milhões de euros em dividendos ao Estado, ou seja aos cidadãos (não só aos contribuintes). Ou seja, 40% dos seus “lucros recorde” desse ano.

Compreende-se um pouco a leve “irritação” de Paulo Macedo. Afinal de contas, que outra empresa pública dá dinheiro desta forma? A TAP? A Parpública? A RTP? A CP?

É certo que em 2017 (com Mário Centeno à frente das Finanças no governo de António Costa), a Caixa recebeu uma recapitalização de 5,5 mil milhões de euros dos contribuintes. Mas pô-los a bom uso, mudou de página e agora injeta no Orçamento do Estado, não drena.

Qual seria a alternativa à CGD a dar lucros? Voltar a pedir ao Estado para reequilibrar as contas todos os anos? Perder dinheiro em negócios pouco avisados, como em 2007, quando um empréstimo de 350 milhões de euros a Joe Berardo foi decidido em 57 minutos?

No final de contas, mais do que atacar esta ou aquela empresa porque está a ter bons resultados, importa compreender a relação que os portugueses têm com o dinheiro. Tem de haver um meio termo entre aceitar e justificar todo e qualquer dinheiro que entra no nosso bolso e odiar o dinheiro que entra nas empresas e nos bolsos dos seus acionistas, afinal de contas a razão pela qual essas empresas existem. E que, no caso da Caixa, até somos nós.

Diretor-Adjunto do Diário de Notícias

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