A Rússia pode mesmo invadir-nos?
A Rússia talvez venha, politicamente, a vencer a guerra com a Ucrânia mas, na verdade, não a conseguiu vencer militarmente, tal como, aliás, em sentido inverso, a NATO com o seu apoio às tropas do presidente Volodymyr Zelensky também não conseguiu vencer, ao fim de três anos, a Rússia.
Passado este tempo andar a dizer ao povo que a Europa (União Europeia e Reino Unido) precisa urgentemente de se rearmar para fazer frente a uma ameaça russa só não é uma falácia ridícula porque a sua aceitação generalizada, como parece estar a acontecer, a transforma numa iminente tragédia coletiva.
Se a Rússia, como dizem inúmeros analistas europeus, não só não ganha militarmente a guerra à Ucrânia como, ao fim deste tempo, tem a economia devastada, é plausível que alguma vez venha a atrever-se a atacar qualquer membro da NATO ou da União Europeia?
Será que o “frio e calculista Putin”, como os mesmos analistas lhe chamam, se vier a conseguir, graças a Donald Trump, que a Ucrânia não entre na NATO e se mantiver o domínio da Crimeia e algum controlo sobre o Donbass, como possivelmente as negociações de paz acabarão por lhe conceder, decidiria, a seguir, suicidar o seu regime e invadir a Europa?
Mas vamos admitir que sim, que a Rússia tem planos para invadir até uma potência nuclear como a França, como Macron enviesadamente insinuou no seu discurso de quarta-feira. A Europa, perdida a certeza da ajuda norte-americana, precisa de se rearmar?
Na verdade, mesmo antes dos 800 mil milhões de euros que Ursula von der Leyen quer garantir para que cada país da União suba 1,5% do PIB a despesa permanente militar, a União Europeia gasta em armamento e em tropas um valor três vezes superior ao da Rússia. No mundo, a despesa militar europeia só é inferior à dos Estados Unidos (cito dados do Banco Mundial).
Como é que não chega a ter três vezes mais meios financeiros para a guerra do que a Rússia para, logo à partida, a dissuadir de uma aleivosia imperialista? É mesmo preciso mais dinheiro para a guerra, como tantos andam a dizer?
E as bases norte-americanas que estão na Europa, desaparecem? Se houvesse uma invasão russa não agiam, mesmo com Trump na Casa Branca?
Para Portugal aumentar 1,5% do PIB a despesa militar teria de gastar qualquer coisa como mais quatro mil milhões de euros anuais, para além dos atuais 3 mil milhões. Vamos perder esse dinheiro, que tanta falta faz para outros serviços do Estado, para ter gente preparada para combater a Rússia, quando nem controlamos eficazmente os traficantes de droga internacionais que atravessam ou desembarcam na nossa costa?
E, face a este facto, é politicamente aceitável que se corra para aumentar a despesa em armamento sem se consultarem os povos europeus, que terão de comprometer, nesta decisão, a dívida dos seus países e o futuro de várias proteções e serviços sociais? Vai fazer-se tudo nas costas do povo?
Para a Ucrânia a solução justa e duradoura seria a de criar condições políticas para que o povo ucraniano, nas diversas regiões, pudesse exercer o seu direito à autodeterminação sem influência estrangeira. Nem Donald Trump, com a sua cobiça pelas terras raras, nem Putin, ao recusar ceder o terreno que conquistou, nem Zelensky, colocado em modo de sobrevivência pessoal, nem a Europa, com a sua histérica corrida ao armamento, estão interessados nisso... Os mortos somam-se.
Jornalista