Assistimos em direto nas televisões durante o fim de semana à capitulação da União Europeia perante os Estados Unidos e à falência da “soberania europeia”, tão proclamada por líderes europeus enquanto anunciavam programas de reindustrialização e de rearmamento. A subserviência e dependência da Europa em relação aos EUA não são novas, mas fingir ignorar quem é o atual Presidente americano, e a sua ortodoxia política – negacionista da crise climática, persecutória de minorias, belicista, racista, permanentemente ameaçadora – é roçar a indigência política.O espetáculo de Ursula von der Leyen, seráfica e muda, enfiada numa poltrona, enquanto Donald Trump, ufano, ditava as regras do jogo, foi humilhante. Um gigante de enredo bufo que, do seu saco sem fundo, ia tirando tarifas aduaneiras de 15%, sem reciprocidade para produtos norte-americanos, o compromisso da UE em investir mais 600 mil milhões de dólares nos EUA (três vezes o valor do excedente comercial bilateral), exigências de compra de produtos energéticos no valor de 750 mil milhões, em plena crise climática, mais 350 mil milhões de euros em armamento para alimentar o complexo militar norte-americano.Não, isto não é um “mal menor” ou o “possível dentro do contexto”, caras e caros responsáveis políticos europeus. Estas decisões prenunciam austeridade e agravamento das condições do Estado social, terão impactos brutais nos países, sobretudo dos mais periféricos e com economias menos robustas; no tecido das pequenas e médias empresas; na classe trabalhadora; e, no fim da linha, na mesa das famílias.Vale a pena recuar ao Tratado de Roma, de 1958, em que encontramos a essência do que deveria ser o projeto europeu: “…os recursos comuns ao serviço de todos…”; “…a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e dos povos…”. Portugal aderiu à então Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986. Seis anos depois, o Tratado de Maastricht (1992) alterou o original e instituiu a União Europeia, abrindo caminho à União Económica e Monetária (UEM). Foram aprovados os “critérios de convergência” – limites ao défice e dívida pública, à inflação e taxas de juro – verdadeira camisa de forças aos Estados-membros, impondo uma combinação tóxica de austeridade, desregulação dos mercados e precarização do trabalho.Estava traçado o caminho que se foi consolidando até hoje: desigualdades internas crescentes; mais trabalhadores pobres; salários estagnados ou que mal acompanham a inflação; paraísos fiscais que sangram as finanças públicas; sistemas de impostos injustos, cuja carga é suportada pelos rendimentos intermédios; serviços públicos que falham às necessidades da população; e uma crise habitacional avassaladora.Este é o caldo ideal para a ascensão da extrema-direita, do seu cortejo de políticas xenófobas e anti-imigrantes, atropelos aos Direitos Humanos, manifestações de racismo, ataques às comunidades LGBTQI+ e restrições ao exercício de direitos democráticos. É o Cavalo de Troia que as medidas de Trump, aceites pela elite de Bruxelas, alimentam e potenciam.Trocou-se a ideia da Europa solidária, da partilha de recursos, da defesa da paz e de uma estratégia de desenvolvimento comum, por esta outra. Estão criadas as condições para a implosão de qualquer horizonte europeísta democrático. Tudo a que assistimos atualmente – a culminar na triste cena de domingo – é o inverso do que nos prometeram. O inverso do que sonhámos. Vereadora independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML