A propósito do acesso ao direito e aos tribunais

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Se se perguntar ao cidadão comum o que acha sobre a Justiça em Portugal, com forte probabilidade se encontrarão qualificativos como lenta, cara, incompreensível, imprevisível, pensando aquele essencialmente no funcionamento dos tribunais. O sistema de justiça tem de tudo, na verdade. Se se pensar apenas nos Julgados de Paz, muitos dos seus utilizadores dirão possivelmente que é rápido, barato e compreensível. Nessa medida, a Justiça, um dos grandes sistemas públicos, é idêntica à Saúde ou à Educação, em que níveis de serviço muito diferenciados convivem e nem sempre são antecipáveis, no caso concreto, pelo seu utilizador comum.

O acesso ao direito e aos tribunais tem, contudo, uma particularidade: grande parte dos cidadãos e das empresas tem a sua relação com o Sistema de Justiça intermediada por um profissional, que os representa e gere a sua posição perante o sistema e as demais partes. O advogado ou o solicitador.

Os advogados, que são hoje em Portugal mais de 35 mil, ou seja, praticamente o dobro do início do século. E os solicitadores, mais de 4000, precisamente o dobro dos existentes no ano 2000. À semelhança do que sucede também com juízes - um aumento de cerca de 30% - e procuradores - um aumento superior a 50% -, Portugal tem hoje advogados em número muito relevante perante a sua população, número muito superior à média europeia, a mesma realidade que se verifica com o número de magistrados entre nós.

O sistema de acesso ao direito e aos tribunais, ainda comummente designado de Apoio Judiciário, garante que é o Estado a pagar os honorários de advogados e a isentar de taxas quem tenha um rendimento inferior a um dado valor, por uma tabela predeterminada, uma decisão da Segurança Social. Neste modelo, os advogados que prestam este serviço fazem-no voluntariamente, por inscrição junto da Ordem dos Advogados e esta atribui um advogado a quem dele necessite. A Segurança Social atribui o estatuto, o Ministério da Justiça paga os honorários.

A Ordem dos Advogados, há demasiado tempo erigida em instância sindical de trabalhadores independentes, veio agora propor que estes fizessem “greve” a este trabalho a partir de setembro, por considerar baixos os valores pagos pelo Estado associados a esta prestação. E podem sê-lo, eventualmente. Tal como pode esta até não assumir sempre as características de dever profissional e qualidade que lhe deveriam estar associadas. Quem sabe disso? Quem o avalia? Quem quer saber? Ninguém, na verdade... 

Para além de eventuais reclamações dos próprios representados, sempre em situação de maior fragilidade, dirigidas à Ordem dos Advogados, o Estado, que atribui esse direito e o paga, exime-se de avaliar o modo como este é correspondido. Se bem que, em teoria, fá-lo-á através da Ordem dos Advogados, que, já agora, é uma associação pública a quem cabe representar por delegação o interesse público e não o interesse particular dos advogados.

Os contribuintes pagam cerca de 50 a 60 milhões de euros por ano de apoio judiciário, de acordo com os valores dos últimos anos, valor, em boa parte, atribuído aos mais de 13 mil advogados inscritos no sistema de acesso ao direito e aos tribunais. Este valor não pode ser uma esmola, mas não pode ser também um rendimento mínimo garantido para ninguém. 60 milhões a dividir, por exemplo, por 50 euros/hora, significam 1 milhão e 200 mil horas de trabalho. Esse conteúdo contratado a privados, como o de todas as prestações públicas assumidas por particulares, tem de ser avaliado. A bem de quem dele necessita - e também dos advogados.

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