A proibição do Chega seria uma benção para os extremistas

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O advogado António Garcia Pereira apresentou uma queixa à Procuradoria-Geral da República, pedindo que se avalie a legalidade da existência do Chega. Alega que o partido promove uma ideologia racista, apontando como exemplos os cartazes onde André Ventura afirma que “Portugal não é o Bangladesh” e os elogios ao regime de Salazar. Para Garcia Pereira, estas manifestações violam a Constituição e a lei dos partidos políticos. “A democracia não é nem pode ser um regime vale tudo”, afirmou à Rádio Renascença, justificando a iniciativa como forma de obrigar o Ministério Público a tomar posição.

Em resposta, André Ventura declarou à agência Lusa que uma eventual extinção do Chega “seria não só uma afronta à democracia, como seria extinguir a própria democracia”. Acrescentou que estas ações surgem sempre em períodos eleitorais e representam, segundo ele, uma tentativa de silenciar o partido pela força, e não pelo debate.

Este é um tema delicado, que exige uma análise jurídica rigorosa e uma reflexão política profunda. A Constituição portuguesa proíbe partidos que promovam ideologias fascistas ou racistas. Cabe às autoridades competentes determinar se os discursos e materiais do Chega se enquadram nessa definição. No entanto, é importante sublinhar que a Constituição não proíbe o populismo, a demagogia ou o elogio a regimes autoritários. Também não impede visões conservadoras ou nacionalistas, mesmo que contrárias ao cosmopolitismo que caracteriza grande parte da sociedade portuguesa.

Ser contrário a valores progressistas não é, por si só, sinónimo de racismo ou fascismo. Embora seja público que alguns apoiantes do Chega defendem ideias extremistas, os juristas não são unânimes quanto à natureza ideológica do partido. A interpretação da lei, neste caso, está longe de ser consensual - o mesmo se aplica à análise dos cartazes polémicos.

No plano político, a questão é ainda mais sensível. Proibir o Chega seria o equivalente a lançar uma bomba atómica no sistema político português, excluindo um quarto do eleitorado. Seria uma medida de força com consequências imprevisíveis, que poderia alimentar a vitimização e abrir espaço para alguns movimentos radicais que gravitam à direita do Chega. Esse eleitorado, privado de representação parlamentar, continuaria a existir e migraria para onde lhe dessem voz, dentro ou fora do sistema democrático. O risco de radicalização desse eleitorado, deixado órfão e descrente, seria real.

Por tudo isto, a democracia não se protege com silenciamentos, mas com debate, escrutínio e firmeza institucional. Manter o Chega dentro do sistema constitucional é, em si, uma forma de conter o extremismo de alguns dos seus dirigentes e apoiantes, tal como acontece, aliás, no polo ideológico oposto, onde existem pessoas que defendem regimes políticos onde o conceito de liberdade e democracia é muito diferente do nosso.

Em democracia, as ideias combatem-se com argumentos, não com proibições. Os valores democráticos são reforçados quando todos têm o mesmo direito de participar na vida política. E, ao contrário do que pensam muitos políticos e comentadores, o povo não é parvo.

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