O acórdão n.º 785/2025 do Tribunal Constitucional (TC) travou o núcleo das alterações à Lei de Estrangeiros aprovadas pelo Governo e pela maioria parlamentar. O TC deixou claro que medidas de controlo migratório não podem restringir o direito à unidade familiar nem o acesso pleno à justiça. Cônjuges e filhos dependentes não podem ser excluídos de reagrupamento imediato; prazos excessivos ou obstáculos administrativos artificiais não são compatíveis com a proteção constitucional da família; e as decisões da administração têm de ser sindicáveis pelos tribunais. Estas garantias não significam que o Estado esteja impedido de gerir fluxos migratórios. A Constituição admite restrições a direitos de estrangeiros, desde que proporcionais, não discriminatórias e previstas em lei. O desafio é calibrar políticas para responder a preocupações legítimas – como a pressão sobre habitação e serviços públicos ou a necessidade de segurança – sem violar o essencial dos direitos. Isto exclui medidas genéricas e de aplicação indiscriminada, mas permite definir critérios claros e verificáveis – como rendimento mínimo ou prova de habitação adequada – aplicados individualmente a cada pedido. No plano político, há pressão para adotar medidas restritivas rápidas. Esta pressão vem sobretudo de partidos da direita e extrema-direita, que defendem o fecho ou limitação das vias de entrada de imigrantes pouco qualificados para proteger o mercado de trabalho nacional e reduzir a pressão sobre serviços públicos e habitação. O apoio parlamentar do Chega foi determinante para aprovar o pacote legislativo que o Tribunal Constitucional chumbou, o que aumenta a expectativa de resultados imediatos. Em alguns municípios com forte afluxo de imigrantes, autarcas manifestaram preocupação com a capacidade de acolhimento e integração, sobretudo em áreas como habitação, educação e saúde. Acresce a atenção mediática a casos de sobrelotação, exploração laboral ou conflitos, que reforça a perceção de urgência. Mas legislar com pressa em matérias complexas e sensíveis tende a produzir normas juridicamente frágeis e politicamente fraturantes.Com o diploma chumbado pelo TC, o Governo terá de redesenhar as suas medidas. Algumas alterações já foram feitas, como a eliminação do visto de procura de trabalho para trabalhadores não qualificados. Há também margem para reforçar critérios objetivos de entrada e investir na fiscalização. No entanto, a ausência de oficiais de ligação para a imigração em países que estão hoje entre os de grandes origens de fluxos – como Índia, Bangladesh, Nepal – não ajuda a uma gestão eficiente dos processos e muito menos no combate a redes ilegais.Portugal precisa de uma política migratória que seja eficaz, justa e constitucionalmente sólida. Isso exige tempo para análise, contributos técnicos e debate público informado. Pressões políticas ou acordos parlamentares apressados, aumentam o risco de novos chumbos e comprometem a credibilidade da lei.É compreensível que o governo tenha alguma dificuldade em negociar com o PS e mais à esquerda nesta matéria. A herança foi muito pesada para o país e teve consequências profundas no tecido social e político.Mas importa bom senso e, como repete o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, alcançar uma política “humanista”. Mais do que discutir apenas o conteúdo das medidas, importa também rever a forma como são feitas. Processos legislativos acelerados, conduzidos sem debate público e sem ouvir quem trabalha no terreno, abrem a porta a erros jurídicos e a soluções que falham na prática. No caso da imigração – um tema que envolve direitos fundamentais e impacto económico – a pressa não é apenas má conselheira: é inimiga da boa governação. Compromete a qualidade da legislação e pode ter custos elevados para o Estado e para as pessoas que dele dependem.