A pressa de Trump e as manobras de Putin
Três anos depois do início da invasão da Ucrânia pela Rússia, três anos repletos de combates e de bombardeamentos, finalmente há sinais de que um entendimento pode ser alcançado entre Kiev e Moscovo, com mediação dos Estados Unidos. Tem que ver com a exportação de cereais via Mar Negro, por navios comerciais de ambos os beligerantes, e ausência de ataques por via marítima de um contra o outro. E por muito frágil que seja, com evidente desconfiança mútua de que será cumprido, é um primeiro resultado negocial que agrada a Donald Trump, um presidente americano decidido a fazer a paz no Leste da Europa.
Não deixa de ser relevante que este primeiro entendimento seja sobre os cereais a exportar dos portos do Mar Negro. Tanto para a Ucrânia, país semidestruído pelos bombardeamentos, como para a Rússia, país que teve de mobilizar a economia para o esforço de guerra, a venda dos cereais é importante para as contas. Também pouco depois do início do conflito tinha sido nesta matéria que ucranianos e russos se tinham entendido, graças, na época, ao presidente turco, Recep Erdogan. Durou então pouco o acordo sobre os cereais por Moscovo ter denunciado que o acordado não estava a ser respeitado.
Trump, que enviou uma equipa negocial para a Arábia Saudita, a qual teve reuniões em separado com as delegações ucraniana e russa, não deve, porém, confiar demasiado que o caminho está aberto para o desejado cessar-fogo geral de 30 dias. As posições de Kiev e de Moscovo continuam demasiado distantes, até para se entenderem numa questão básica como os seus soldados pararem de se matar uns aos outros. Mesmo no momento, no terreno, tudo indica que os russos continuam a conquistar territórios e que isso faz com que Vladimir Putin negoceie sem pressão temporal. Pelo contrário, os ucranianos estão a recuar, tanto no Donbass, como no território russo onde tinham feito uma ousada incursão no ano passado, e uma paragem dos combates, sem mais cedências, seria uma oportunidade para repor forças.
Como mediador de paz, os Estados Unidos têm um papel complicado. Mesmo que Trump telefone agora a Putin, um líder que o anterior presidente Joe Biden ostracizava por completo, os Estados Unidos não podem apagar o seu historial de apoio militar à Ucrânia. E quando Putin, como aconteceu há uns dias, fez depender um cessar-fogo total do fim do apoio militar Ocidental aos ucranianos, estava a incluir, além da Europa, também os Estados Unidos. Recorde-se que Moscovo, perante a oferta americana combinada com a Ucrânia do tal cessar-fogo total, respondeu com a proposta de um cessar-fogo, também de 30 dias, mas limitado ao ataque a instalações energéticas dos dois países.
Além da posição complicada como mediador, os Estados Unidos estão também a negociar constrangidos pela pressa de Trump em obter a paz na Ucrânia, algo que os russos sabem e claramente tencionam usar em seu favor. O próprio presidente americano deve estar consciente dessa fragilidade, pois como magnata do imobiliário, e como autor de um livro sobre a arte de negociar, sabe perfeitamente que a pressa é má conselheira numas negociações.
Não nos deixemos, porém, levar pela ideia de que estas negociações promovidas pelos americanos, por todas estas razões, também pela relação difícil entre Trump e Volodymyr Zelensky, estão destinadas a ser aquilo que Putin quiser. Os Estados Unidos continuam muito mais poderosos do que a Rússia e, se Trump sentir que está a perder a face, o risco será grande para Putin. E não esquecer ainda que, para já, a Europa parece determinada a apoiar a resistência da Ucrânia.
Diretor adjunto do Diário de Notícias