A política externa não se mede em likes

Publicado a

A política externa não se mede em likes ou declarações virais. Mede-se pela capacidade de produzir resultados duradouros, reduzir riscos e criar condições estáveis de cooperação num sistema internacional cada vez mais fragmentado. No entanto, tal como noutras áreas da vida pública, a diplomacia contemporânea está crescentemente dominada pelo ruído, pela exposição permanente e pelo culto do simbólico. Confunde-se visibilidade com influência e comunicação com poder.

Enquanto algumas potências privilegiam o palco mediático e a afirmação ruidosa, outras optam por uma política externa deliberadamente discreta, paciente e orientada para resultados. É nesta segunda categoria que se inscreve o Canadá, um dos exemplos mais consistentes na eficácia silenciosa de uma diplomacia contemporânea.

O Canadá é um grande país em termos geográficos, com peso económico relevante, mas exerce conscientemente uma política externa discreta, assente na previsibilidade, na fiabilidade e no trabalho sistemático nos bastidores. Ottawa raramente procura liderar pelo tom mais alto ou pela afirmação simbólica. Prefere influenciar pela confiança que inspira, pela coerência das suas posições e pela capacidade de articular compromissos entre parceiros diversos, sobretudo em contextos multilaterais onde a credibilidade é um ativo central.

Esta orientação tornou-se particularmente visível a partir da presidência de Donald Trump. Perante a imprevisibilidade da política externa e comercial americana, e mesmo perante declarações que colocavam em causa a sua soberania, o Canadá evitou a dramatização pública ou a retórica de rutura com o seu principal aliado. Em vez disso, iniciou uma reorientação silenciosa da sua presença externa, reforçando relações com a União Europeia, aprofundando o envolvimento no Indo-Pacífico, diversificando acordos comerciais e consolidando laços com parceiros considerados fiáveis e normativamente próximos, salvaguardando tudo o que foi possível preservar com Washington ao mesmo tempo que ampliava, de forma gradual, a sua margem de autonomia estratégica.

Esta forma de atuação revela uma leitura sofisticada do poder contemporâneo. Num sistema internacional marcado pela incerteza e pela erosão da confiança, a influência constrói-se menos por declarações inflamadas ou exposição pública e mais pela capacidade de alinhar interesses, reduzir riscos e criar confiança ao longo do tempo. Para uma potência diplomática média, a discrição não é sinal de fragilidade. É um multiplicador de eficácia.

A experiência canadiana oferece lições relevantes para Portugal. Partimos de uma posição particularmente favorável no sistema internacional contemporâneo. Dispõe de uma rede diplomática extensa e diversificada, sustentada por ligações históricas, linguísticas e culturais que atravessam continentes e regimes políticos distintos. Poucos países europeus combinam, como

Portugal, pertença plena à União Europeia, inserção atlântica, relações estruturais com África, presença consistente na América Latina e uma comunidade linguística global. Esta configuração singular confere a Portugal uma capacidade real de construção de pontes, de mediação política e de articulação entre espaços que raramente dialogam entre si.

Ao investir de forma consistente numa política externa previsível, coerente e orientada para resultados, ancorada na construção paciente de confiança, Portugal pode reforçar a sua influência internacional de forma proporcional aos seus ativos reais, afirmando-se como um ator fiável, agregador e respeitado num mundo cada vez mais fragmentado, não pela visibilidade imediata, mas pela capacidade duradoura de ligar, mediar e gerar entendimento.

Num tempo em que a exposição parece substituir a substância, importa recordar uma evidência simples. A política externa não se mede em likes, mas naquilo que permanece quando o ruído desaparece.

Professor Convidado UCP/UNL/UÉ

Diário de Notícias
www.dn.pt