O termo pesporrência é um dos meus favoritos da língua portuguesa. Tanto pela grafia, como pela sonoridade, sugere algo desagradável. Advinha-se que a pesporrência não pode ser nada de bom. Como o disgusting inglês. Ou o schrecklich alemão.De acordo com os dicionários, pesporrência é sinónimo de “arrogância” ou “bazófia” (este ainda é mais divertido do que a pesporrência!).Para ilustrar o uso da palavra, nada melhor do que dois exemplos. O primeiro é extraído de um comentário de Marco Rubio, Secretário de Estado da Administração Trump, à multa aplicada pela Comissão Europeia a uma empresa tecnológica americana:"A multa [...] da Comissão Europeia não é apenas um ataque à X: é um ataque a todas as plataformas tecnológicas americanas e ao povo americano por parte de governos estrangeiros".O segundo exemplo refere-se a um diálogo entre um empresário de Guimarães (assim “identificado” na notícia) e dois elementos da GNR:“(…) o arguido proferiu expressões como: “Querem que eu chame aqui 30 gajos para se tratar do assunto? Desliguem o vosso carro porque eu não vou sair daqui de dentro e estão a gastar combustível pago por mim. O que vocês estão a fazer só vos vai estragar a vida. Eu sou um gajo muito importante”.E, já no interior do posto, disse: “Pagar multas é zero. Isto não é a primeira vez. Vós à minha beira não sois ninguém. Eu sou um homem de categoria e vós não sois ninguém. Vós ides pagar por isto. Isto é tudo ilegal. Ainda vou ganhar umas coroas com isto. Isto vai tudo para o lixo. Vocês vão ter uns problemas do c***lho”.No caso de Rubio, impressiona a atitude de comparação de uma sanção pecuniária aplicada por uma autoridade absolutamente legítima a uma empresa privada americana, que sistematicamente abusa da sua posição de mercado, com um “ataque” ao povo americano - porventura justificativo do bombardeamento de Bruxelas -, demonstrando que o dinheiro dos milionários americanos merece muito mais consideração e proteção do que o respeito pelas regras da concorrência legitimamente adotadas. Habituem-se, que é isto que significa America first.No caso do “empresário de Guimarães”, a verborreia, evidenciadora de uma mistura de ignorância, ordinarice e cretinice, é ignóbil. A ameaça de chamar “30 gajos” - previsivelmente para espancarem os guardas da GNR - ilustra a importância do “gajo”, do homem “de categoria”, para quem os agentes da autoridade não são ninguém “à beira” dele, seguramente porque vivem modesta e honestamente dos seus salários e não de subsídios do Estado, de habilidades financeiras e da exploração do trabalho alheio.O Tribunal de Guimarães condenou-o, desprezando a sua “categoria”, por dois crimes de injúria agravada e por desobediência, em cúmulo jurídico, a 130 dias de multa, à taxa diária de oito euro (1.040 euro). Ficou ainda proibido de conduzir por quatro meses e obrigado a pagar a cada um dos agentes policiais a quantia de 250 euro, acrescida de juros. A Relação de Guimarães confirmou a decisão.