A militarização da água

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1. No seu famoso livro, intitulado ‘Cinco Mil Anos de Paquistão’, o Dr. R.E.M. Wheeler apontou uma verdade fundamental: ao longo de milénios, o Rio Indo e os seus afluentes têm alimentado a Civilização do Vale do Indo. 

2.        As águas do Sistema do Rio Indo funcionam como a espinha dorsal da economia agrícola do Paquistão. Desempenham um papel crucial na sustentação dos meios de subsistência de mais de 240 milhões de pessoas. Nove em cada dez das maiores cidades do Paquistão estão situadas a cinquenta quilómetros ou menos do rio Indo ou dos seus afluentes. O Sistema continua a ser a maior rede de irrigação contígua do mundo. Sendo uma zona com escassez de água, o Paquistão é um dos países mais vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas. 

3.      O Tratado das Águas do Indo (TII) foi assinado em setembro de 1960 entre o Paquistão e a Índia. O Banco Mundial foi também signatário do Tratado (para os efeitos especificados no Tratado). 

4.         O Tratado é um acordo de partilha de águas entre os Estados ribeirinhos superiores e inferiores. Não se trata apenas de um acordo bilateral entre os dois Estados vizinhos, mas também de um compromisso internacional solene, baseado no princípio de pacta sunt servanda – que os acordos devem ser honrados. Este tratado contém disposições sobre o mecanismo de resolução de litígios e não inclui qualquer disposição para a sua suspensão ou rescisão unilateral. 

5.          Embora a Índia tenha tentado minar o bom funcionamento do TII nos últimos anos, este resistiu ao teste do tempo, incluindo guerras e impasses. No entanto, a 22 de abril de 2025, a Índia anunciou que iria suspender o Tratado, o que é insustentável e ultrapassa os limites do Tratado. A suspensão unilateral do Tratado corrói o caracter sagrado dos tratados que constituem a base da ordem jurídica internacional. Atinge os próprios alicerces de toda a estrutura da cooperação interestatal, estabelece um precedente perigoso para decisões arbitrárias e constitui uma ameaça à paz e à segurança internacionais. 

6.       O Paquistão acredita que o Tratado está em pleno vigor e lhe garante todos os direitos nele consagrados, afirmando os seus direitos plenos e contínuos ao abrigo do Tratado das Águas do Indo. O Paquistão continua empenhado na implementação fiel do Tratado e continuará a agir dentro do seu quadro legal, opondo-se a qualquer tentativa de politizar ou reinterpretar unilateralmente as suas disposições. Um Tratado não pode ser simplesmente suspenso com base em alegadas queixas alheias ao seu objectivo. O direito internacional exige proporcionalidade e vinculação, e não opera com base na conveniência política, na coação e no unilateralismo.

7.           Os meios de comunicação social e as organizações da sociedade civil em Portugal devem estar atentos à situação actual no Sul da Ásia, que poderá ter implicações para os países ribeirinhos de baixa altitude em todo o mundo. A militarização da água representa um rude golpe para todo o modo de vida, cultura e sustentabilidade da Civilização do Vale do Indo.

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