A máquina que já não tritura líderes

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No dia 11 de março, pelas quatro da tarde, o deputado André Coelho Lima, figura estimável e portadora de convicções, também vice-presidente do PSD, escreveu na rede social Twitter: "Sou um feminista inveterado. Mesmo! E, em conformidade, custa-me ver que o governo ucraniano tenha exigido a incorporação dos homens com mais de 18 anos perante a passividade dos movimentos feministas. Que deveriam, obviamente, exigir igualdade de tratamento. Não estou a ser irónico!" No dia 13 de março, na mesma rede social, o deputado Hugo Carneiro, igualmente estimável, convicto e rioísta, partilhou uma notícia sobre "as contas em dia" que Rui Rio deixará quando abandonar funções. "Um legado para o futuro", escreveu Carneiro, queixando-se de "pressões internas" contra a sustentabilidade financeira do partido. No dia 14 de março, novamente no Twitter, o próprio Rio veio vigorosamente denunciar: "Há milhares de emigrantes portugueses na Europa que voltaram a não receber a documentação necessária para votar na repetição das eleições. Quem organiza as eleições é o incompetente Ministério da Administração Interna, mas para o PS a culpa deve ter sido do... PSD", sendo que as eleições foram repetidas graças a um requerimento do Volt (o PSD não apresentou nenhum) e que nem o governo nem ninguém, que se tenha dado conta, responsabilizou o PSD seja pelo que for.

Na noite desse tweet, os sociais-democratas reuniram o seu Conselho Nacional em Ovar, onde decidiram que (1) haverá mais uma semana para o pagamento de quotas até à eleição da nova direção, (2) que a data do congresso da sua aclamação será no primeiro fim de semana de julho e (3) que os documentos oficiais do partido passarão a contar com "(a)" antes de cada palavra em nome da igualdade de género (exemplo: "o (a) militante"; "o (a) dirigente"). Rio, segundo os órgãos do partido, está com (a) covid e não compareceu. Um mês e meio após a sua quarta derrota eleitoral, tão-pouco se demitiu, na ironia que é agendar-se uma eleição interna para um cargo de que nem sair consegue. Continuará em funções por mais três meses, sabe Deus a fazer o quê além de gastar dados móveis com tweets dignos de realidade paralela. Já não se arrasta: rasteja.

Mas é assim o rioísmo. Nunca fingiu ser outra coisa. Nada contra feministas ou contas certas, antes pelo contrário, mas deixar um governo com uma oposição movida a tweets durante meio ano é tão mau para o país como para o PSD. A questão é que, fora do rioísmo, ninguém parece remotamente importado com isso. A máquina de triturar líderes já só se tritura a si própria. O engenheiro Ribau Esteves - a prova viva de que em terra de cegos quem tem olho é rei, e quem se meta em pontas pelo menos príncipe - puxou as orelhas ao vice-presidente da Câmara de Cascais por estar "na Roménia ou na Polónia, ou lá onde é que ele anda, a fazer coisa nenhuma em vez de trabalhar", sendo que o colega e companheiro havia ido em missão humanitária, ajudar refugiados de guerra. Os demais entrincheiraram-se nos respetivos cargos locais, internacionais ou vocacionais, receando, com alguma razão, o único talento que o Dr. Rio possui ‒ a vitimização - e esquecendo que a legislatura pode muito bem acabar a meio, com a exportação do Dr. Costa para Bruxelas em 2024, novas legislativas antecipadas e uma esquerda desfeita por tudo - economicamente e ideologicamente - o que a guerra da Ucrânia causou.

No próximo dia 6 de maio, três semanas antes de escolher o seu novo líder, o PSD fará 48 anos como instituição desta democracia. Não sei se ainda tem alguma coisa para lhe dizer. Ou se ela está sequer disponível para o ouvir.


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