A luta de classes em Palmela

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Nada me move contra a greve geral de ontem, a qual, ao contrário do que dizem as centrais sindicais, não terá paralisado por completo – nem perto disso – o país, mas também não terá tido uma “adesão inexpressiva”, como sugeriu o Governo. Tal como nas guerras, conforme sintetizou Ésquilo, nas greves a primeira vítima é a verdade. O arremesso de números é, aliás, dos exercícios mais fúteis a que alguém pode dedicar-se nestas ocasiões. Serve para galvanizar claques e evitar discussões mais profundas sobre o nosso mercado de trabalho.

A esse respeito, entre o mosaico de realidades laborais de que é composto o país, destacou-se a notícia de que a Autoeuropa e as empresas fornecedoras de peças do Parque Industrial de Palmela foram forçadas a interromper por completo a produção.

Com proporções significativas de adesão à greve – em algumas fábricas superiores a 90% nos dois primeiros turnos do dia –, o protesto surtiu o efeito pretendido pelos sindicatos e pelas comissões de trabalhadores, mas será que a médio e longo prazo terá salvaguardado os interesses de quem pretende proteger o seu posto de trabalho e melhorar o seu rendimento? Talvez não.

A Autoeuropa, assim como diversas empresas do Parque Industrial de Palmela, paga acima do salário médio do país. De igual modo, a progressão na carreira é mais rápida do que na maioria das empresas congéneres. O pacote de prémios para 2025 e 2026 é também bastante generoso, conforme consta do acordo firmado entre a administração da Volkswagen e a Comissão de Trabalhadores, e a empresa disponibiliza transporte e refeições “gratuitos” aos seus funcionários.

Acresce que, na sequência de uma negociação que remonta aos tempos de Vieira da Silva como ministro do Trabalho e Segurança Social, os trabalhadores dispõem de creches (apoiadas pelo Estado) para os filhos inclusivamente aos sábados e feriados, regalia invulgar para o trabalhador-tipo português.

Perante tudo isto, e em face da “ofensiva do Governo aos direitos do trabalho” – Daniel Bernardino, coordenador das Comissões de Trabalhadores do Parque Industrial e, convém não esquecer, candidato a deputado pelo BE –, houve um toque a rebate e uma interrupção abrupta das linhas de montagem (com enorme prejuízo para algumas unidades fabris). Havendo poucos dias de produção disponíveis até ao fim do ano, será necessário que essas empresas compensem a paragem com trabalho aos sábados e/ou domingos, com o respectivo encargo adicional e, não excluamos, reflexos nos preços no futuro.

A Autoeuropa foi escolhida para fabricar o novo carro eléctrico da Volkswagen, o ID.1, e tem planeados investimentos de centenas de milhões de euros para descarbonizar a produção. Nada disto é compaginável com um clima de tensão alimentado por – e de que se alimentam– sindicatos e comissões de trabalhadores que usam os operários como joguetes.

Convém que ninguém tenha ilusões: num mundo cada vez mais global, em que os países competem pela especialização, mas também pelo custo, lutas de classes serôdias têm tudo para correr mal. E fazer com que os indignados de hoje e amanhã em Palmela – contra esta ou qualquer outra alteração laboral – estejam daqui a uns anos a bater à porta de uma fábrica noutra geografia qualquer.

Consultor de comunicação

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