À medida que se aproxima o domingo eleitoral, o debate em torno da cidade de Lisboa vai sendo reduzido à lógica do “mal menor”: a quem não gosta de Leitão, recomenda-se que vote em Moedas, a quem não gosta de Moedas, que vote em Leitão. Este estreitamento é compreensível à luz dos interesses de cada um daqueles dois candidatos, mas é nefasto para a democracia. O risco em que esta hoje se encontra terá várias razões de ser, mas uma delas é certamente a facilidade com que a extrema-direita tem vindo a ocupar o crescente espaço eleitoral deixado livre pela alternância entre centro-esquerda e centro-direita. Fazendo de diferentes tipos de descontentamento uma arma de arremesso contra a democracia e contra os trabalhadores imigrantes, a extrema-direita deve ser combatida de diferentes formas, mas nenhum combate sério dispensará o reconhecimento de uma parte do descontentamento popular de que o populismo de André Ventura se aproveita.É neste contexto que o programa proposto por Alexandra Leitão e o respeito que decidiu manter pelo legado político do PS de Lisboa – de Medina e Manuel Salgado ao colaboracionismo com Moedas – são difíceis de aceitar. Conforme tem sido mostrado pela candidatura protagonizada por João Ferreira e pela CDU em Lisboa, é possível a esquerda adotar uma posição política que consiga duas coisas ao mesmo tempo: suscitar a atenção e o interesse de um eleitorado mais amplo do que o da respetiva bolha partidária; e ser assertivamente crítico e ousado na hora de começar a construir uma outra cidade. Infelizmente, Alexandra Leitão e os seus apoiantes têm toda a razão quando dizem, em reação a Moedas, que a atual candidatura do PS é tão “moderada” quanto as anteriores. Se aqui há uns meses a escolha negociosa de António Vitorino para mandatário do PS em Lisboa surpreendeu muita gente, hoje parece fazer mais sentido do que nunca. Porque é que alguém de esquerda cometerá um crime de lesa-pátria se não alinhar neste peditório é que ninguém – nem mesmo o meu amigo José Gusmão – soube até agora explicar.Há três elementos particularmente graves na estratégia seguida pelo PS em Lisboa.O primeiro é a cumplicidade com o neoliberalismo fiscal subjacente à medida de devolução do IRS tomada por Medina, primeiro, e agravada por Moedas, depois. Esta medida dá às classes mais endinheiradas da cidade os recursos financeiros que deviam estar ao serviço de políticas públicas que beneficiassem as classes populares e trabalhadoras, que assim continuamos a entregar de bandeja à demagogia fascizante do Chega.O segundo elemento gravoso é a cedência à agenda securitária que Moedas tem preconizado a fim de se manter sintonizado com a agenda racista do Chega. A competição que Leitão e Moedas têm alimentado em torno de qual dos dois tem mais câmaras de videovigilância para colocar em cada esquina da cidade é surpreendente quando olhamos as posições que Leitão outrora assumiu em matéria de direitos e garantias.O terceiro erro é a contribuição da candidatura do PS para o imaginário e políticas de life style e new economy queridas à Iniciativa Liberal, com o mote “Lisboa, cidade da inovação e do empreendedorismo” e propostas que, aos “nómadas digitais” e aos unicórnios de Medina e Moedas, tratam agora de somar programas internacionais de atração de “investigadores temporários”, numa espécie de sabáticas que, imagino, sejam simultaneamente suportadas pela Airbnb e pela FCT.O contraste com a candidatura de João Ferreira e da CDU é claro: 1) crítica do individualismo e do favorecimento de classe inerente à devolução IRS, por mais que a demagogia fiscal da mesma seja difícil de desmontar, e defesa de uma política financeira ao serviço de políticas públicas para toda a cidade; 2) uma política de cuidado e solidariedade relativamente à imigração, sem medo de adotar como mote do programa da CDU a ideia de “Lisboa, cidade de imigração”; 3) um diagnóstico completo e uma proposta integrada dos problemas de habitação e transporte que afetam as classes e grupos menos remediados de entre a população de meio milhão de pessoas que vive na cidade, sem nunca esquecer o outro meio milhão que por aqui passa diariamente na sua mobilidade pendular.Tenho por Alexandra Leitão o respeito que Carlos Moedas não me merece. Mas nem o estado da democracia no país nem a situação social da cidade admitem outro voto que não na CDU.