Publicou a Assírio e Alvim, com o título Exposto sobre as montanhas do coração uma antologia do trabalho de Maria Teresa Dias Furtado como tradutora de Rilke, o enorme poeta a quem a nossa autora dedicou uma muito relevante parte do seu trabalho de grande germanista.Falar do eco que a obra de Rilke teve em mim continua a ser qualquer coisa do domínio do íntimo, ao contrário da minha relação com muitas outras leituras. Eu tive boas e más razões para amar a poesia de Rilke. Começando pelas más, referirei aquilo que Paul de Man chama o “mito Rilke”, que seduz o leitor com uma imagem do poeta como portador de um dom espiritual, que o aproxima de todas as nossas dores e da nossa, para usar os termos do poeta numa carta, “quase impossibilidade de viver”, levando-nos a um nível de compreensão consoladora como um “curandeiro das almas”, para continuar a citar a mesma carta.Esta é uma má leitura, que nos afasta da verdadeira grandeza de Rilke, que é a de um poeta rigorosa e exigentemente concentrado, depois da lição de Rodin, na construção dessas densas esculturas de palavras, que nos abrem janelas para o que ele chama “o espaço interior do mundo” e que nos faz sentir o apelo do “Aberto” em toda a criação, humana e natural, continuando a usar os seus próprios termos.Não é, portanto, a uma evasão esteticista, eivada de snobismo social e artístico, que esta poesia nos conduz, contrariamente ao que possam alegar os seus detratores. A força desta poesia no confronto com os mais diversos aspetos da realidade, sejam obras de arte, sejam objetos comuns e quotidianos, sejam o amor e a morte, com o esplendor da sua torrente discursiva e o poder de evocação das suas mais estranhas imagens, é tudo isso que nos atrai a querer penetrar na riqueza desta obra.Nunca esqueci alguns dos preceitos que, nas suas Cartas a um Jovem Poeta, Rilke enuncia:Esforce-se por amar as suas próprias dúvidas como como se cada uma delas fosse um quarto fechado, um livro escrito em língua estrangeira.Finalmente, o preceito mais fundamental e decisivo:Há um só caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: “Morreria se não me fosse permitido escrever?”. Isto, sobretudo: na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo essa pergunta: ”Sou realmente obrigado a escrever?” – Examine-se a fundo até encontrar a mais profunda resposta.Esta ética da escrita e da nossa relação com o que escrevemos e a consideração do poema enquanto um objeto por construir, como uma escultura, deve levar a interrogar-nos toda a vida sobre aquilo que escrevemos, sem nunca perder de vista a dúvida essencial e a questão fundamental que aquelas cartas nos propõem.Este livro que Maria Teresa Dias Furtado nos oferece, através da Assírio e Alvim, constitui uma notável antologia desta obra rilkeana tão imensa, traduzida com rigor e invenção, e leva-me a levantar à autora e aos editores um desafio: porque não toda a obra poética reunida de Rilke, trazida para a nossa língua por esta excelente tradutora, para um futuro Natal?Diplomata e escritor