1. Portugal está a redefinir os limites da sua hospitalidade. A nova Lei dos Estrangeiros, promulgada após meses de tensão política e um veto do Tribunal Constitucional, promete mais controlo, menos automatismo e uma gestão mais seletiva da imigração. Mas a pergunta que se impõe é simples e profunda: estamos a corrigir excessos ou a comprometer valores?A versão aprovada pela Assembleia da República, com o apoio da maioria à direita, introduz alterações estruturais no regime jurídico de entrada, permanência e afastamento de estrangeiros. O visto para procura de trabalho, que antes permitia a entrada de milhares de cidadãos sem contrato prévio, foi restringido. O reagrupamento familiar passou a exigir mais comprovação e tempo. E os benefícios concedidos aos cidadãos da CPLP foram revistos, com impacto direto em comunidades que há décadas fazem parte do tecido social português.Os defensores da nova lei apontam para a necessidade de ordem. A Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) herdou mais de 400 mil processos pendentes, muitos deles sem resposta há anos. O sistema estava saturado, vulnerável a abusos e incapaz de garantir integração eficaz. A nova lei, dizem, é um instrumento de racionalização. Permite à AIMA priorizar casos, exigir mais documentação e evitar que Portugal se torne um destino de entrada fácil para fluxos migratórios descontrolados.Mas há um custo. E não é apenas administrativo. A nova lei afasta Portugal de uma tradição de abertura que sempre nos distinguiu na Europa. O país que acolheu refugiados sírios, que integrou comunidades brasileiras, cabo-verdianas e ucranianas com relativa harmonia, parece agora hesitar. A limitação do visto de procura de trabalho pode travar talentos que ainda não têm uma oferta formal, mas que poderiam contribuir para setores em carência. O reagrupamento familiar mais rígido pode gerar sofrimento em famílias separadas por fronteiras. E a revisão dos benefícios à CPLP levanta dúvidas sobre o compromisso histórico com o espaço lusófono.Há também um risco político. A lei foi aprovada com o apoio do Chega, partido que tem feito da imigração um cavalo de batalha. O Governo, ao aceitar esse apoio, corre o risco de legitimar uma narrativa que transforma o estrangeiro em ameaça. A promulgação por Marcelo Rebelo de Sousa, após ajustes que responderam às objeções constitucionais, garante a legalidade do diploma - mas não resolve o dilema ético.Portugal precisa de uma política de imigração firme, sim. Mas também precisa de uma política justa, transparente e coerente com os seus valores. A nova Lei dos Estrangeiros pode ser um passo na direção certa em termos de gestão, mas é um passo arriscado em termos de identidade. O equilíbrio entre segurança e solidariedade nunca foi fácil - e talvez nunca tenha sido tão necessário.Se a lei for aplicada com inteligência, sensibilidade e respeito pelos direitos humanos, poderá corrigir distorções sem comprometer princípios. Mas se for usada como instrumento de exclusão, poderá transformar Portugal num país menos aberto, menos plural e menos fiel à sua história.A hospitalidade não se mede apenas em números. Mede-se em escolhas. E esta lei é uma escolha que nos obriga a pensar quem queremos ser.2. A recente polémica em torno do afastamento da comentadora Raquel Varela da RTP Notícias e da eventual contratação do influenciador Gonçalo Sousa suscitou uma discussão sobre a diversidade dos espaços de comentário e de opinião nos órgãos de comunicação social.Sobre os casos em si, já muito foi dito, a favor ou contra as decisões do diretor de informação da RTP, Vítor Gonçalves. Concorde-se ou não com estas escolhas, a direção de informação é responsável, nos termos da lei, pela definição da linha editorial da estação, incluindo a escolha das pessoas que ali comentam.E não é a ideologia que determina se há comentadores “bons” ou “maus”, mas sim o facto de saber se aquilo que dizem contribui para uma opinião pública mais informada e esclarecida. Explicam bem o que está em causa nos diferentes temas? São capazes de analisar com rigor e isenção? Conseguem sugerir caminhos e ideias para reflexão? São equilibrados, isto é, conseguem fazer um esforço para analisar as coisas como elas são e não pelas lentes da ideologia e do sectarismo partidário? Obedecem a uma lógica de razão e bom senso, ou de combate partidário e ideológico? Baseiam as suas análises em factos comprovados ou em fake news?Fala-se muito sobre se existem comentadores desta ou daquela cor política e em representatividade nos espaços de opinião. Mas fala-se pouco de qualidade.