A Lei da Nacionalidade Portuguesa aos olhos dos outros europeus: do 80 ao 8 

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Escrevo de Varsóvia, no contexto de uma conferência sobre alterações às leis da nacionalidade dos países europeus nos últimos anos. A ideia que perpassa é a de que Portugal gosta mesmo de extremos: ou somos todos Portugueses, ou vamos dificultar ao máximo quem pode ser Português. 

Começámos por falar nas grandes e progressivas aberturas na Lei da Nacionalidade Portuguesa. Desde 2006, começou a surgir a ideia (muito estranha a esta Europa), de que tínhamos de caminhar para um ius soli puro – i.e., que “quem nasce em Portugal é Português”. Isto tornou-se um slogan repetido acriticamente em alguns círculos, e muitas vezes tentei lembrar que não podia ser bem assim: ao conferir a nacionalidade portuguesa, atribuímos automaticamente a cidadania da UE - e no passado os Estados-membros que previam uma solução destas acabaram por alterá-la, devido ao princípio da cooperação leal na UE.   

Depois, foi difícil explicar aos conferencistas a ideia da naturalização dos descendentes das comunidades de judeus sefarditas. As perguntas saltaram, confusas: como assim, bastaria uma autoridade judaica confirmar que certa pessoa vinha de comunidade sefardita para se obter a nacionalidade? Tentei explicar que a lei foi sendo alterada de forma a exigir-se alguma ligação da pessoa à comunidade portuguesa, mas acharam tudo pouco razoável. Até porque, lá está, estávamos a distribuir o “passaporte europeu” de forma amplíssima. É interessante pensar que esta estranheza se gerou numa conferência na Polónia, país que historicamente teve o maior número de judeus na Europa, e da qual muitos se exilaram, devido a pogroms e perseguições sucessivas, numa história muito mais presente que a expulsão de judeus ordenada em 1496 pelo nosso D. Manuel I.  

Seguidamente, passámos para o extremo oposto: a grande mudança da lei da nacionalidade de 2025. Aqui, parece que quisemos tomar a dianteira nas restrições. A Polónia, que tem sido tão criticada por um certo fechamento à imigração, só agora está a começar a propor soluções que se assemelham às agora aprovadas por nós, como o juramento de lealdade, teste de cidadania ou 10 anos de residência para efeitos de naturalização. Portanto: Portugal vai ser um exemplo para a exigente Polónia aumentar as restrições também. 

A mesma coisa podemos dizer no que toca à perda da nacionalidade. É certo que há países europeus que preveem tal medida. Mas esse são os que não assinaram a Convenção Europeia da Nacionalidade. Os que, como nós, são parte de tal Tratado, sabem bem que não as podem prever. A ideia que perpassou, portanto, é a de que Portugal irá mesmo violar alegremente esta Convenção, se tal solução entrar em vigor.  

Entretanto, recebemos a notícia de que o Partido Socialista irá pedir a fiscalização preventiva de algumas normas. É a única hipótese de travar as alterações mais duvidosas, sob pena de se tornar cada vez mais difícil explicar aos demais países, sem ser com muitos gráficos que demonstram a subida apoteótica da extrema-direita, como é que passámos do 80 para o 8. Entretanto, aqui estamos nós, numa conferência internacional, a ser um caso de estudo sobre como é possível passar-se de um extremo ao outro, numa das matérias que mais reclama estabilidade num Estado: a da determinação do que é o seu povo.   

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