Esta semana, as chamas à volta de Federica Mogherini vieram dar argumentos adicionais aos que procuram destruir a floresta da União Europeia (UE). Não nos deve fazer esquecer, no entanto, que a UE é fundamental para a estabilidade, a segurança e o progresso da Europa. Como também não podemos ignorar cinco dos riscos existenciais que o projeto enfrenta e cuja solução tem de ser considerada prioritária. Ou seja, a paralisia política; a ausência de autonomia estratégica; a estagnação económica; o crescimento dos movimentos demagógicos em várias sociedades europeias e a erosão da sua credibilidade numa boa parte dos países do Sul Global.A UE, para responder a estes desafios, precisa de compreender duas realidades.Primeiro, que, contrariamente ao que certos intelectuais apregoam, a aliança com os EUA tornou-se extremamente frágil. No presente, mas não só. A visão internacional de Donald Trump, com ou sem ele, veio para ficar. Para além da “América Primeiro”, as prioridades geopolíticas das novas elites que controlam o poder são bem claras e seguem a seguinte ordem: a situação no seu hemisfério, a região do Índico e do Pacífico, o Médio Oriente, o Ártico e, no fim da lista, a Europa.Segundo, que são necessárias reformas estruturais e imediatas. Estamos num mundo distinto, pós-neocolonial, diversificado e multipolar. As Nações Unidas, na sua vertente mais política, e o velho Conselho de Segurança, ficaram imobilizados no passado. As relações com as antigas colónias passaram da subordinação à igualdade e ao aparecimento de novas redes de interesses. A Europa tem de aprender a movimentar-se nos novos esquemas de cooperação internacional, sem ilusões de superioridade neocolonial.Mario Draghi, no seu relatório de setembro de 2024 sobre a competitividade europeia, que pode ser lido como um apelo premente, sublinha o risco da “agonia lenta” da UE se esta não investir massivamente no aprofundamento do mercado único, na união bancária, nas tecnologias digitais e numa política externa coesa e robusta, sobretudo no que respeita aos EUA, à Rússia e à China. Temos de sair de uma Europa que pensa como os pequeno-burgueses, como os pretensos novos-ricos que colocam o consumo e a aparência acima do esforço e do bem coletivo. De uma Europa que é demasiadas vezes dirigida por oportunistas políticos. Em Bruxelas e nas capitais dos Estados-membros.Draghi critica o declínio da produtividade, a fragmentação do mercado único que afasta as empresas de alto crescimento potencial para o outro lado do Atlântico, os fardos regulatórios excessivos que sufocam as PME – somos um espaço governado por escritórios de advogados e por lobistas dos grandes interesses privados – e a falta de foco em prioridades claras, como a inovação em tecnologias avançadas e a ligação entre a descarbonização e o crescimento económico.Considera ainda fundamental acabar com a regra da unanimidade em vários domínios sensíveis, como por exemplo, a política externa, a defesa, as questões orçamentais e a adesão de novos membros. Estas são algumas das áreas em que deveria funcionar o princípio da maioria qualificada: a dupla condição que exige simultaneamente 65 % da população e 55 % dos Estados. A regra da unanimidade é um obstáculo à inovação e impede respostas rápidas a crises geopolíticas. O mundo encontra-se num processo acelerado de mudança. Não podemos construir o futuro com as regras do passado.Este é igualmente o momento de pôr em cima da mesa uma proposta ambiciosa que autorize um orçamento comum de pelo menos 5% do PIB europeu, em vez dos atuais 1%. Este orçamento seria financiado por impostos próprios, hoje não cobertos pelos Estados. Teria como razão de ser o financiamento da investigação nos campos da alta tecnologia, do digital, da energia, da convergência entre os Estados-membros, da mobilidade dos jovens no espaço europeu e o apoio a iniciativas que alargassem o campo geopolítico europeu. Esses novos fundos poderiam igualmente servir para custear a mobilização contínua de uma força militar europeia de reação rápida suficientemente ampla e robusta. Esse seria um passo importante no caminho da autonomia estratégica. Sem soberania energética e militar, a UE mais não será que um Titã imponente, mas impotente, tal e qual o lendário Atlas.O Sul Global, nas suas diferentes facetas, já define muito do mapa geopolítico atual. A Europa tem de voltar a ser a campeã da solidariedade e da cooperação internacionais. Entre outros aspetos, deve contribuir com donativos, e não só com empréstimos, que ajudem os países menos desenvolvidos no combate às alterações climáticas e à pobreza. De igual modo, os Estados da UE têm a obrigação de participar nas coligações que procuram modernizar a parte política da ONU, sobretudo a questão da representatividade do Conselho de Segurança. O Sul Global aprecia a ONU. A Europa ganharia se fosse vista como empenhada nesse processo de renascimento.Tal como o Império Romano do Ocidente no século V, a UE acredita na ilusão de uma certa grandeza externa. Roma caiu não por causa de uma batalha, mas por lenta erosão: perda de confiança dos cidadãos, colapso da autoridade central, corrompida e totalmente distraída da realidade que era importante, fúteis querelas no Senado e ameaças crescentes vindas do exterior. Urge não seguir a mesma via.Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU