A ironia do “apagão” da extrema direita do RASI

Podemos questionar se será apenas a ponta de um iceberg, ou se são casos pontuais. A agressão ao ator demonstra que o assunto do apagão no RASI não está fechado.
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Não deixa de ser irónica (e muito preocupante) a sucessão de casos envolvendo grupos de extrema-direita que tem acontecido desde que veio a público, no início de abril, o “apagão” do capítulo da Polícia Judiciária (PJ) no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) que alertava para uma escalada de ações destes movimento no nosso país.

No dia 25 de abril houve confrontos entre a polícia e membros do partido Ergue-te e das organizações Habeas Corpus e 1143, tendo os seus dirigentes, o ex-juiz Rui Fonseca e Castro e Mário Machado sido detidos.

A PSP foi classificada como "traidora" por militantes de extrema-direita online, que divulgaram imagens do comandante com comentários acusatórios. No Porto e em Lisboa, o grupo Reconquista tem-se multiplicado em ações de incitamento ao ódio contra imigrantes e o seu dirigente, Afonso Gonçalves, tem acumulado detenções para identificação.

Tal como já aconteceu no passado, há sempre um momento em que a verdadeira natureza deste género de matilha se revela, que é quando passa das palavras e das ameaças aos atos.

Desta vez o alvo foi o ator de A Barraca Adérito Lopes, vítima de agressões violentas, que o obrigaram a ser hospitalizado, dia 10 junho, precisamente 30 anos depois de o cabo-verdiano Alcindo Monteiro ter sido espancado até à morte por um grupo de cabeças rapadas no Bairro Alto.

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Diretor do SIS: “Extrema direita quer fazer vítimas humanas, extrema esquerda quer provocar danos em instalações”

De acordo com a informação que recolhemos o agressor está identificado e tem 20 anos. Irónico (e preocupante também) é que a investigação preliminar das autoridades aponte para que os envolvidos tenham ligações ou sejam mesmo membros do grupo Blood & Honour, um dos mais violentos grupos de neonazis, coincidentemente aquele cujas atividades eram mais referidas no dito capítulo censurado no RASI, de acordo com o qual se trata, em Portugal, de “um chapter (ramo) de uma organização extremista internacional classificada como organização terrorista em listas nacionais de alguns países, e contra a qual foram já impostas sanções financeiras por incitamento e financiamento do terrorismo”.

Também era sublinhado que “as plataformas online têm sido o palco privilegiado de atuação dos movimentos (…) através de uma cultura de comunicação através de memes, recrutam e radicalizam indivíduos cada vez mais jovens, muitos deles com idades inferiores a 16 anos”.

Podemos questionar se será apenas a ponta de um iceberg, ou se são casos pontuais. A agressão ao ator demonstra que o assunto do apagão no RASI não está fechado.

Mesmo se a principal responsável por este documento, a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, a procuradora Patrícia Barão, tenha garantido que a exclusão desse capítulo foi aprovada por todas as entidades que integram o Gabinete Coordenador de Segurança, posição secundada igualmente pelo Sistema de Informações da República Portuguesa.

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"Organizações de neonazis e fascistas podiam ser proibidas em Portugal"

Sabemos como as investigações a este tipo de grupos é exigente e pode ser demorada – depois de Alcindo, em 1995, só em 2007 houve uma onda de novas de detenções pela PJ contra skinheads e depois outra em 2016 – mas a prevenção é fundamental nesta deriva.

E ela passa, certamente, por encontrar forma de colocar este tipo de grupos, principalmente os que já estão banidos de regimes democráticos, como o B&H, e os seus membros, no seu devido lugar. De preferência o mesmo onde está hoje Mário Machado.

Recordando as palavras do diretor-geral do SIS, Neiva da Cruz, na conferência dos 160 anos do DN, porque “o objetivo” da extrema-direita “é fazer vítimas nas minorias étnicas, na comunidade LGBTQIA+, atores e políticos de esquerda, adversários”. E isso não é liberdade de expressão.

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