A integração não é uma questão de identidade, mas de direitos

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Quem se der ao trabalho de ler esta coluna, notará que nunca falei sobre assuntos de política nacional. Hoje abro uma exceção, porque a nossa semana foi dominada por um debate sobre a política de imigração.

Na Véspera do Natal do ano passado, publiquei um texto no DN sobre a cidadania cívica e a cidadania identitária em que dizia que à “capacidade de viver a minha vida livremente, desde que cumprindo as regras que foram estabelecidas, chamamos cidadania cívica.” E terminava afirmando que “agora aparece cada vez mais uma outra ideia de cidadania. (…) que recusa o que é diferente e que entende que só quem partilha a mesma identidade tem direito a partilhar o mesmo espaço. (…) e a isso chamamos cidadania identitária. Mas poderíamos chamá-la pelo seu outro nome: uma ditadura da maioria.”

As muitas vozes de diferentes quadrantes políticos que ouvimos, durante a semana, falar na necessidade de termos uma política de imigração que considere igualmente as questões identitárias, deram como exemplo a situação das mulheres e das raparigas oriundas de comunidades que não partilham os nossos valores sobre a igualdade de género. E algumas dessas vozes apontaram como exemplos a desigualdade entre homens e mulheres, os casamentos forçados de raparigas menores ou a prática de mutilação genital feminina. Mas, a verdade é que todas essas práticas são proibidas pela legislação portuguesa e se, de facto acontecerem, estaremos perante uma violação da lei que não podemos tolerar, sejam as suas vítimas mulheres e raparigas nascidas em Portugal ou vindas de outras paragens. Não é, portanto, aqui que o debate se deve fazer.

Uma vez que a lei se aplica a toda a gente que viva em Portugal, independentemente da sua origem, o argumento da exigência identitária para acolhermos imigrantes só se poderá aplicar a matérias que não sejam objeto de legislação. Ou seja, estaremos a dizer que as pessoas que cá nasceram são livres para fazer o que a sociedade entendeu não regular, mas quem vem de fora está sujeito a um conjunto de restrições que os nacionais podem ignorar. E quem se arroga o direito de estabelecer as regras não-escritas para pessoas que, de outra forma, cumprem a lei, mas que têm tradições diferentes da comunidade nacional? Ou, dito de outra maneira, quem se arroga o direto de recusar-lhes alguns dos seus direitos fundamentais?

Ninguém nega que a imigração coloca desafios às comunidades de acolhimento. Mas esses desafios não se resolvem reforçando a ideia que há quem, cumprindo a lei, não tem lugar no nosso espaço cívico. Se o fizermos, atiraremos essas pessoas para guetos onde, então sim, a profecia de quem defende a segregação identitária acabará por se cumprir. E todos perderemos.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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