A insustentável tentação do Estado empresário

A extinção do IPE [Investimentos e Participações Empresariais] em 2002, que controlava 27 participações, ocorre com a expectativa de passagem de quase todo o portefólio à esfera privada. Não foi assim e, hoje, a Parpública é um gigante com pelo menos 20 participações, das quais 13 de controlo.
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A triste novela da Efacec evidenciou a irresistível atração que o Estado português tem em assumir a propriedade de uma empresa privada, com argumentos e resultados, no mínimo, questionáveis. Foi esta atração que levou à criação progressiva do IPE, da Partest e da Parpública. A extinção do IPE em 2002, que controlava 27 participações, ocorre com a expectativa de passagem de quase todo o portefólio à esfera privada.

Não foi assim e, hoje, a Parpública é um gigante com pelo menos 20 participações, das quais 13 de controlo. A atração em tomar posse tem andado de mãos dadas com a resistência em deixar partir. Só para referência, Espanha, uma economia dez vezes maior, passou de ter 130 empresas públicas maioritárias e de propriedade direta em 1985 para apenas 16 hoje.

O Governo anunciou em dezembro a criação de um Grupo de Trabalho para “identificar as empresas consideradas estratégicas e justificar essa escolha, bem como propor o modo de privatizar as restantes, adiantando uma estimativa da receita decorrente da alienação”. Uma missão louvável, mas o seu sucesso enfrenta três grandes obstáculos muito sérios.

Em primeiro lugar, o Grupo é liderado pelo próprio vice-presidente da Parpública e composto por vários profissionais de carreira da Função Pública. Está assegurada a independência e o know-how técnico necessários ao cumprimento da sua missão? Na extinção do IPE Manuela Ferreira Leite foi buscar um profissional independente com uma notável carreira na esfera privada, João Talone. Privatizou tudo o que era possível e fazia sentido e eliminou uma estrutura que não se justificava.

Em segundo lugar, há uma peculiar subjetividade inerente aos critérios de seleção: consideram-se estratégicos os setores que “respeitam ao desempenho de funções de soberania, bem como a produção e venda de bens e serviços considerados essenciais para a população, ou onde as falhas de mercado exijam a intervenção pública”. Funções de soberania? Falhas de mercado ? Isso dá para justificar qualquer coisa.

E em terceiro lugar o primeiro sinal que surge deste Grupo de Trabalho - RTP, CGD, Águas de Portugal (AdP) e Companhia das Lezírias (CL) são considerados ativos estratégicos para o SEE, logo inalienáveis.

Não discuto a CGD, mas faz sentido um grupo de media do Estado? Ou por que não cotar a AdP em bolsa como em tantos países europeus e o Estado manter uma participação, impedindo, aliás, o acesso arbitrário aos resultados, como fez Medina? E porquê a Companhia da Lezírias (CL) - uma empresa que fatura menos de 10M€ e tem 3M€ de resultados?

Para o presidente da Parpública, a CL no Estado “garante que se consiga o máximo de eficiência produtiva com sustentabilidade ambiental. Quando há privados há mais tendência para o desequilíbrio, mais para a eficiência produtiva e menos para a proteção do ambiente”. Esta afirmação é uma afronta à agroindústria nacional, reflete uma doutrina marxista (senão soviética) que não se compreende sob um Governo social-democrata.

Apesar de tudo, faço votos para que o programa de privatização da Parpública seja um sucesso. Que saiba separar os ativos com racionalidade e coragem e que venda bem o que tem de vender. É tempo de trazer justiça aos contribuintes, que tantos biliões têm perdido através da intervenção do Estado na gestão dessas empresas.

Empresário, gestor e consultor

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