Aproxima-se um novo ano com a consciência de que, apesar dos avanços, Portugal continua a enfrentar desafios profundos na proteção das suas crianças e jovens. A infância não espera, e cada atraso nas respostas, cada falha de articulação, cada política que não sai do papel tem consequências reais na vida dos mais vulneráveis. Se queremos um país mais justo e mais seguro, temos de assumir prioridades claras e inadiáveis. Comecemos pela capacitação das entidades de primeira linha - escolas, clubes desportivos, associações juvenis, estruturas de tempos livres, entidades religiosas - que diariamente estão em contacto direto com milhares de crianças e jovens. São estes profissionais e voluntários que, muitas vezes, têm a primeira oportunidade de detetar sinais de risco ou perigo, identificar mudanças comportamentais, escutar pedidos de ajuda e sinalizar situações que, de outra forma, permaneceriam invisíveis. Investir na sua formação não é apenas dotá-los de ferramentas técnicas: é garantir que sabem prevenir, reconhecer e agir de forma segura e responsável. Uma sociedade que aposta na capacitação das suas estruturas de proximidade é uma sociedade que protege melhor - porque a proteção começa sempre onde as crianças vivem, aprendem, brincam e crescem. A revisão da forma de funcionamento das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens é outra necessidade. Estas equipas continuam a trabalhar com recursos limitados, elevada carga processual e exigências crescentes. Sem investimento consistente, formação contínua e equipas multidisciplinares especializadas, o sistema fragilizasse e as crianças ficam mais expostas ao perigo. Rever o modelo de conceptualização das CPCJ é reforçar a capacidade do país de agir cedo, com rigor e eficácia. Outra prioridade incontornável é o combate à violência doméstica, que permanece como uma das principais causas de perigo para crianças em Portugal. Proteger as crianças implica proteger as famílias e garantir que a violência não é normalizada, relativizada ou tratada como um problema da esfera privada, em que se aceitam “pedidos de desculpa”. Exige respostas rápidas, articulação eficaz entre entidades e uma abordagem verdadeiramente centrada na segurança e no bem-estar da criança. A proteção no ambiente digital é igualmente urgente. A violência contra crianças já não se limita aos espaços físicos: hoje, o online é um dos principais territórios de risco, onde ocorrem aliciamento, exploração sexual, ciberbullying e exposição a conteúdos abusivos. A resposta exige literacia digital para crianças, jovens, pais e profissionais, mecanismos de denúncia acessíveis e uma regulação mais eficaz das plataformas. Ignorar os riscos que existem no mundo digital é ignorar a realidade em que as crianças vivem. Também o apoio a vítimas e sobreviventes precisa de ser colocado no centro das políticas públicas. Garantir acesso a apoio psicológico, jurídico e social não é apenas reparar o passado: é prevenir o futuro, quebrar ciclos de violência e promover saúde mental. Um país que não cuida das suas vítimas e sobreviventes perpetua o sofrimento e falha na sua responsabilidade ética. Por fim, é essencial que Portugal abandone a lógica reativa e invista em políticas de prevenção baseadas em evidência. A prevenção eficaz não se faz com ações pontuais, mas com programas sustentados, avaliados e integrados: educação socioemocional nas escolas, formação obrigatória para profissionais, programas de parentalidade positiva, campanhas públicas consistentes e avaliação contínua das políticas. A evidência existe, mas falta vontade política para a aplicar de forma sistemática. A infância não espera por orçamentos, por consensos ou por calendários políticos. Cada criança que vive em perigo, cada jovem que cresce sem proteção, cada sobrevivente que continua sem apoio é um lembrete de que o país ainda não está onde deveria estar. O novo ano traz a oportunidade - e a responsabilidade - de fazer diferente. Proteger as crianças não é apenas uma obrigação legal: é um compromisso ético e civilizacional. E é esse compromisso que deve orientar as prioridades nacionais no ano que agora se avizinha. Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal