A importância das crianças
As crianças são o melhor do mundo, disse Pessoa. Aproveitando e adaptando, para minha conveniência, uma conhecida frase de Orwell, todas as crianças são iguais, mas algumas são mais iguais do que outras.
Os meus netos são portugueses nascidos em Londres, onde vivem e sempre viveram. Têm amigos de todos os cantos do planeta. Nunca foram objeto de qualquer discriminação. É assim que as crianças devem ser tratadas (e não só as crianças): todas diferentes, todas iguais. Não há crianças melhores ou piores, em função da origem, da cor, ou da religião. Têm todas a mesma dignidade e merecem todas a mesma proteção. Não me sinto nada tranquilo, nem conformado, por estar convencido de que os meus netos nunca serão privados de água potável, como milhares de outras crianças em África, nem correm o risco de ficar cegos, devido à falta de vacinas contra o sarampo, como as crianças da Guiné Bissau.
As crianças não portuguesas, de qualquer origem, que nasceram e / ou vivem em Portugal devem beneficiar exatamente do mesmo tratamento que as crianças portuguesas (como os meus netos no Reino Unido, relativamente às crianças, britânicas ou não, que vivem neste país) - designadamente nos cuidados de saúde e no ensino. Não são crianças de segunda, porque não há crianças de segunda.
Na escola que os meus netos frequentaram havia crianças de mais de quarenta nacionalidades. Imaginem as pautas com os nomes (nunca divulgados no Parlamento de Westminster, claro!) E a alegria e o colorido da festa de fim de ano letivo, cada um levando a(s) bandeira(s) do(s) seu(s) países (porque muitos tinham mais de uma nacionalidade)!
Num mundo em que há cada vez menos crianças - naquele mundo que nós, fanfarrões incorrigíveis, consideramos “o primeiro” -, as crianças europeias são um bem crescentemente escasso. Hostilizar as crianças de outras paragens que aqui vivem não é apenas uma desumanidade e uma indignidade. É também uma estupidez, pois ameaça, a médio prazo, o financiamento da segurança social, se não mesmo o futuro da humanidade.
PS: a falta de referência às crianças de Gaza neste texto não resulta de esquecimento. Não encontro é palavras capazes de descrever o horror e a barbaridade que as imagens mostram.
Antigo presidente do Tribunal Constitucional