A imigração e o progresso dos povos peninsulares
Longe vão os tempos em que Antero de Quental lamentava a decadência dos povos ibéricos. Hoje, os jesuítas mandam pouco - veja-se o tímido legado político do Papa Francisco; Portugal e Espanha atingiram níveis de descentralização e de democracia sem precedentes; e a exploração colonial acabou, embora haja quem garanta que dela emana uma culpa colectiva ad aeternum.
Mais importante para contrariar a ideia de decadência é o crescimento económico, que em Portugal e em Espanha compara bem com a média da União Europeia. Os números portugueses são conhecidos. Já o país vizinho, após 3,2% de crescimento em 2024, estará a caminho de ser a única economia avançada a superar as previsões do FMI para este ano, apesar da guerra comercial e da incerteza geral.
A lista de explicações para o sucesso é vasta e discutível. Mas há, pelo menos, dois factores comuns. Primeiro, as reformas implementadas no período de crise económica e financeira entre 2008-2013. Segundo, o impulso dado pela imigração.
De acordo com dados publicados pela The Economist, nos últimos seis anos a força de trabalho estrangeira em Espanha aumentou em 1,2 milhões de pessoas. Falamos de um país com 49 milhões de habitantes. Estes números sugerem que há maior cuidado e planeamento do que em Portugal, que com 11 milhões de habitantes viu o total de estrangeiros residentes duplicar nos últimos três anos, sendo já 1,6 milhões de pessoas.
Em ambos os países houve um influxo grande e repentino, mas a diferença na dimensão relativa desse aumento, bem como as diferentes políticas de atracção de população estrangeira, oferecem retratos distintos do impacto provocado pela imigração.
As filas intermináveis à porta da AIMA e as fraudes que contribuem para a sobrelotação de imigrantes em casas sem condições de salubridade contrastam com as excentricidades dos novos residentes em Espanha.
Parte importante desta imigração faz-se de capitais em fuga do México, da Venezuela, da Colômbia e de outros Estados da América do Sul tomados por populismos aventureiristas de direita e de esquerda. Madrid é agora apelidada Little Miami. A estes juntou-se um contingente de “refugiados do regime de Trump” - expressão do Financial Times.
A exuberância dos costumes recém-chegados e endinheirados choca com a circunspecção altiva das tradicionais elites espanholas. Nota-se bem na capital. Terra árida, sem acesso a mar, onde as tradições urbanas e rurais ainda são o que eram, vende agora ‘mega-iates’ numa vistosa loja com porta para a rua. Fica no bairro de Salamanca, o metro quadrado mais caro de Madrid, na rua Claudio Coello. A rua onde a ETA fez o Almirante Carrero Blanco voar pelos ares em nome do anti-capitalismo e do mais obtuso dos nacionalismos oferece agora embarcações de luxo para que fortunas sem pátria possam navegar pelos mares.
É evidente que a imigração tem rostos semelhantes nos dois lados da fronteira. Há desafios comuns, que vão do custo da habitação aos choques culturais. Contudo, a imprensa internacional, os dados mais recentes e uma simples volta pela Península Ibérica sugerem que Portugal captou, sobretudo, mão de obra não qualificada, com baixo valor acrescentado, enquanto parte importante da imigração atraída por Espanha trouxe capitais que estimulam o consumo interno e reforçam o investimento produtivo. São histórias diferentes com implicações diferentes. O resultado não deverá ser igual.
Politólogo.
Escreve sem aplicação do novo Acrodo Ortográfico.