A ilusão do poder esclarecido, da esquerda à direita (parte III da série)

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Onde está o novo Concorde, o moderno CD, o atual TGV? São apenas três exemplos de invenções europeias do século XX que o mundo reconhece sem precisar de mais explicações. Hoje, a Europa até dá cartas em áreas de investigação de ponta, desde a criação de vacinas mRNA à impressão de órgãos em 3D, passando pelo aperfeiçoamento das tecnologias de energia renovável e Inteligência Artificial, mas - à possível exceção do grafeno - não ocorre invenção comparável àqueles nestes 24 anos que já passaram do século XXI.

O panorama é de tal forma mau que, numa pesquisa na internet, até se encontra facilmente documentos de organismos da União Europeia tentando demonstrar, por A+B, como a inovação na Europa está “boa e de saúde”! E em 2021, um trabalho académico de Hugo Confraria, Vítor Hugo Ferreira e Manuel Mira Godinho, para o ISEG, intitulado Emerging 21st Century Technologies: Is Europe still falling behind? conclui, entre outras coisas, que “as empresas europeias não têm estado na vanguarda da concorrência tecnológica desde 2010, e não observámos quaisquer sinais de alterações dinâmicas”. As razões para tal, dizem, são várias e “não existe uma bala de prata” para inverter esta situação.

Depois, sugerem caminhos, com alguns dos quais concordo, outros nem tanto, porque me parece que apenas reforçam o “pecado original”: demasiada concentração de poder nos órgãos de regulação, nos burocratas e nos políticos que - sim, com as melhores intenções - distorcem o normal funcionamento da sociedade.

A História está cheia desses exemplos. Apenas houve verdadeiros “saltos quânticos” na inovação e no conhecimento quando as pessoas, os indivíduos, tiveram liberdade para investigar e trocar ideias. Foi assim na Atenas da Antiguidade, que lançou a Filosofia contemporânea e depois nos deu Sócrates, Platão, Aristóteles ou Eratóstenes ; nos Países Baixos do Iluminismo, cuja riqueza permitida pela liberdade de comércio privado deu espaço para aparecerem pessoas como Christiaan Huygens, Van Leeuwenhoek ou Herman Boerhaave, que deram passos de gigante na Física, na Microbiologia ou na Medicina; ou, claro, na revolução de conhecimento iniciada no fim do século XIX na Alemanha e na Áustria, e depois prosseguida nos EUA - por causa da fuga de cérebros provocada pela ditadura nazi -, cuja figura principal foi Einstein, mas que passou também por Robert Oppenheimer, Erwin Schrödinger ou Max Planck. Isto não esquecendo, claro, Marie Curie (e o marido), em França. E poderia continuar...

Claro que não esqueço que as guerras são, elas próprias, motores de inovação, no sentido em que levam ao investimento de ciência aplicada e ao desenvolvimento rápido de tecnologia - muita com posterior aplicação civil - que de outra forma demoraria anos a desenvolver. No entanto, a ciência pura, o conhecimento, só florescem quando os investigadores podem trabalhar sem estarem presos a ideologias políticas e à livre troca de conhecimento.

Durante a Guerra Fria e a Revolução Cultural chinesa, por exemplo, múltiplos casos houve de atrasos científicos (documentados), tanto na URSS, como na China, precisamente porque os respetivos regimes comunistas não permitiram aos seus investigadores ter acesso imediato aos trabalhos dos seus colegas ocidentais por serem “de autores decadentes”.

Mas o mesmo ocorria em muitas ditaduras ditas nacionalistas. O mais ridículo que me ocorre? O nosso Estado Novo proibiu o livro Gerra e Paz, de Leão Tolstói (que é passado durante as Invasões Francesas) porque se era russo, era “vermelho”...

Um exemplo de como os extremos se tocam. Sempre. Por mais que os seus defensores estrebuchem, não há verdadeiras diferenças entre a extrema-esquerda e a extrema-direita. Ambas acham que o poder central - Governo, Estado - deve controlar os meios de produção, a criação de riqueza e, por conseguinte, a vida das pessoas.

Enquanto a esquerda radical (comunismo e socialismos) considera que estes setores devem mesmo ser propriedade da Administração Pública (leia-se gerida por funcionários “com cartão” partidário), o caminho “pela direita” radical é entregá-los a empresários “amigos” do poder, criando mecanismos para que estes se mantenham sem concorrência. É a atual oligarquia russa que substituiu, num piscar de olhos, o regime comunista. Melhorias? Poucas. (Pelo menos, os moscovitas passaram a não ter faltas de pão nas lojas, ao contrário do que acontecia antigamente...)

Para agravar a situação, hoje em dia a esquerda “moderada” - a tradicional social-democracia - tem vindo a cair nas cantigas do antigo socialismo (o primo direito do comunismo) achando que, através da hiper-regulação de todos os setores económicos podem melhor manter o poder e aumentar a “equidade”.

Só que toda a máquina burocrática para manter este sistema a funcionar é muito cara. E como as políticas de redistribuição são complexas e ineficientes, por natureza, levam a impostos altos - eles próprios desincentivadores do investimento.

O resultado está à vista, na União Europeia: falta de confiança de quem teria dinheiro para se meter em negócios de alto risco; empresas médias sem condições para passar a grandes, muitas vezes ainda mais presas pelas incapacidades das Administrações Públicas dos vários Estados-membros (cujos modus operandi variam demais e raramente cumprem prazos); um setor de investigação teórica (universidades) de ponta, mas cujas inovações têm muitas dificuldades em chegar ao mercado.

Com isto, o comboio da inovação europeia partiu à velocidade de um TGV para uma terra onde quem quer arriscar e ganhar, ou perder e começar de novo, tem a liberdade que entretanto aqui lhe tiraram. Mas olhe que o fizeram a pensar no seu bem!


Editor do Diário de Notícias

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