A guerra do clima

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Se alguém esperava que os ares da Amazónia despertassem a sensibilidade ecologista dos líderes mundiais, a COP30 foi um banho gelado de realidade, ao terminar com um acordo diluído que expõe o descrédito em que têm vindo a cair estas cimeiras climáticas. O que deveria ser um fórum global para ações urgentes transformou-se num palco de hipocrisia diplomática, onde já ninguém ignora que uma parte significativa dos países não está ali para salvar o clima, mas para proteger interesses económicos e vantagens competitivas.     

Entretanto, a ciência deixou de usar eufemismos: a meta dos 1,5 ºC fixada no Acordo de Paris, há dez anos, já não é viável. Muitos investigadores admitem que até os 2,5 ºC  de aquecimento face aos valores pré-industriais estarão em risco se nada mudar.

Sabemos o que isso significa. Temo-lo visto já todos os anos, com um aumento exponencial de secas, inundações, incêndios e ondas de calor, que afetam já milhões de pessoas. Mas não só. Como alertam os cientistas, ultrapassar os 1,5º C aproximar-nos-á de pontos de rutura em grandes sistemas reguladores da Terra, como a Amazónia onde esta COP 30 decorreu. E não estamos a falar de um futuro distante.

A verdade é que o clima tornou-se uma das principais vítimas da diplomacia bully norte-americana nas relações internacionais, atirado para o chapéu “woke” agitado como um demónio pelo Trumpismo. E isso veio dar um novo respaldo aos que, desde sempre, procuram travar os progressos nas cimeiras climáticas. Como reflete o texto final desta COP30, um acordo protocolar à 25ª hora para salvar a fotografia, com muita cosmética diplomática, mas que não levará ninguém a sair de Belém do Pará verdadeiramente entusiasmado com um vislumbre de progresso.  

Enquanto estas cimeiras falham, outros atores avançam discretamente em caminhos paralelos, como destapava esta semana uma reportagem do site Politico sobre um projeto de geoengenharia de uma startup israelo-americana, a Stardust Solutions, com vários milhões captados junto de financiadores do Vale do Silício e lobbying ativo no Congresso dos EUA.

E o que se propõe fazer a Stardust Solutions? Algo simultaneamente tão simples e tão complexo quanto espalhar partículas na estratosfera para refletir uma fração da luz do sol e baixar artificialmente a temperatura global. Ou seja, um “arrefecimento de emergência” que os longos esforços diplomáticos em cimeiras negociais parecem incapazes de garantir.

Atalhos tentadores para potências pouco comprometidas com a ação climática. Em vez de reduzirem emissões, investem em tecnologias que lhes permitam controlar o termóstato do planeta e ganhar vantagem estratégica num mundo cada vez mais instável.

O risco é evidente: transformar a crise climática num novo campo de disputa estratégica, onde apenas alguns têm acesso às soluções, assumindo-se como guardiões do clima. A ação climática pode muito bem já ter deixado de ser um ato de cooperação para se tornar um novo mecanismo de guerra fria.

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