A guerra das vacinas

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Quando o ano de 2020 terminou, as vacinas perfilavam-se com a principal promessa de que a pandemia provocada pelo novo coronavírus poderia ser controlada e que 2021 seria o início do retorno à normalidade. Alguns de nós, mais otimistas (ou ingénuos?), queríamos acreditar igualmente que seria possível à humanidade corrigir pelo menos alguns dos erros que, sem dúvida, criaram as condições para o surgimento da referida pandemia.

O facto de os cientistas terem sido capazes de criar as vacinas em questão num tempo recorde, num notável e apreciável esforço de colaboração internacional, parecia apontar claramente para a possibilidade acima expressa.

Contudo, foi sol de pouca dura. Ficou imediatamente claro aos olhos de todos que a humanidade não muda. Mudará algum dia?

A espantosa dificuldade demonstrada pelos líderes mundiais de, previamente, avaliar a capacidade de produção das vacinas só tem um nome: incompetência. O facto confirmou mais uma vez, como se tal fosse necessário, que o mundo não estava preparado para a pandemia da covid-19.

Devido a essa falha primária, era impossível adotar e executar planos de vacinação bem pensados e eficazes. Não compreendo, por isso, a algazarra e as acaloradas discussões populares ou "especializadas" que, um pouco por todo o lado, ocorrem, a propósito dos programas de vacinação já em curso em alguns países. O fundamental é resolver o problema da produção. O resto é mais fait divers do que outra coisa.

A segunda maka é a distribuição. Nesse capítulo, a situação é obscena. Observando o atual mapa de distribuição das diferentes vacinas anticovid-19, fica desde logo evidente a discrepância geopolítica existente. Os países ricos foram os primeiros a açambarcar (é o nome) a maioria delas, em detrimento das nações desvalidas.

Há exceções, claro, resultantes das opções políticas tomadas pelas autoridades de certos países. É o caso flagrante do Brasil, por exemplo, um país com capacidade de produção de vacinas e com um sistema de saúde pública capaz de as distribuir rapidamente, mas cujo presidente fez do negacionismo da pandemia e das vacinas uma verdadeira política de Estado.

África é a região onde a obscenidade das diferenças geopolíticas em termos de distribuição das vacinas anticovid-19 é mais evidente. Por isso, não há, de momento, nenhum país africano onde a vacinação já tenha começado.

Aparentemente, os líderes africanos confiaram demasiado na cooperação internacional, ao invés de tomarem iniciativas próprias no sentido de obter as várias vacinas em tempo útil. Mais uma vez, a referida "cooperação" mostrou aquilo que é: uma falácia.

O bissau-guineense Carlos Lopes, alto representante da União Africana para as negociações com a União Europeia, explicou o que se passa: os países africanos contavam com o apoio do programa da OMS para a vacinação global - COVAX -, que depende das doações dos países ricos; estes estão, de facto, a contribuir para o referido programa, mas, ao mesmo tempo, negociam com as produtoras das vacinas contratos preferenciais, mais bem pagos, o que faz que o COVAX fique no último lugar da fila de espera.

É preciso desenhar?


Jornalista e escritor angolano, publicado em Portugal pela Caminho

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