Na sequência da execução da vereadora Marielle Franco em março de 2018, amigos e aliados ergueram nos meses seguintes uma placa simbólica no centro do Rio de Janeiro com a inscrição “Rua Marielle Franco”. Em outubro daquele ano, às vésperas da eleição que elegeria Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, dois bolsonaristas candidatos a deputados, Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, arrancaram a placa, quebraram-na em dois e fotografaram-se a segurar os destroços com aquele sorriso de satisfação só ao alcance dos alienados.Em seguida, colocaram de volta a placa com o nome original do lugar, “Rua Floriano Peixoto”, em homenagem ao presidente de 1891 a 1894 que se caracterizou pelo autoritarismo, pelo culto da personalidade e pela crueldade com que executou sumariamente 185 opositores em Nossa Senhora do Desterro, cidade que ele batizaria depois, em auto-homenagem, de Florianópolis. Silveira e Amorim, entretanto, voltaram a ser notícia esta semana. O primeiro, que cumpre pena de oito anos de prisão por ameaçar de morte juízes do Supremo e por defender o regresso do AI-5, o ato institucional de 1968 que impôs a censura e a tortura durante a ditadura militar, progrediu para o regime semiaberto, que lhe dá o direito de dormir em casa com pulseira eletrónica. E o segundo, que está à solta, por ter defendido na Assembleia Legislativa do Rio um projeto que a imprensa nomeou de “gratificação faroeste”.O texto, aprovado por 47 votos a 15, prevê - segure-se para não cair da cadeira - um adicional de 10% a 150% no salário de agentes da polícia civil carioca que “neutralizem” (o eufemismo para “matem”) criminosos em confronto. Amorim não é sequer original: recuperou um mecanismo, entretanto extinto por pressão da franja da sociedade civil que não vive no paleolítico inferior, de 1995. Na ocasião, a “gratificação faroeste” teve como resultado prático não apenas o aumento de criminosos mortos por polícias mas também o de polícias assassinados por criminosos que resolveram responder na mesma moeda - à faroeste, portanto.Em 2017, quando o DN se propôs a entrevistar todos os pré-candidatos às presidenciais do ano seguinte, o então deputado Jair Bolsonaro repetiu na nossa conversa o instrumento “excludente de ilicitude”, mais ou menos o equivalente a disparar em legítima defesa, que pretendia priorizar em caso de vitória. Era uma licença para matar, que já fazia prever os quatro anos de retrocesso que aí vinham, mas não um prémio para matar, como é proposto agora. Especialistas em segurança alertam que a “gratificação faroeste” torna a polícia parceira no crime do Comando Vermelho e de outras organizações com esse fim. Aliás, desde 2008 quatro chefes da polícia civil do Rio foram presos, por corrupção passiva, por formação de quadrilha armada, por organização criminosa e, no caso mais recente, o delegado Rivaldo Barbosa, por cumplicidade no planeamento da execução de Marielle Franco em março de 2018. Jornalista, correspondente em São Paulo